Iris
flor rosa mulher
noite madrugada tardinha
e eu sem querer
fiquei na sua entrelinha
Iris
olhar de amêndoa
flor rosa mulher
que tanto me atordoa
agora neste entardecer
Iris
flor rosa mulher
este bem-querer
plantado no meu peito.
João Mariano
quarta-feira, dezembro 31, 2008
quarta-feira, dezembro 24, 2008
Homenagem a Gabriel Mariano
LATITUDES n° 16 - décembree 2002 49
No n° 12 de Latitudes, de
Setembro de 2001, prestámos
nesta revista uma
simbólica homenagem a Dante
Mariano. Nessa altura, Gabriel
Mariano, o irmão mais velho, embora
o seu estado de saúde ser já preocupante,
quis trazer-nos alguns testemunhos
sobre os vários combates
em que participou o seu irmão
Dante e falar do seu espólio literário.
Acontece, porém, que acabamos
de receber a notícia de que o
Gabriel Mariano também veio a
deixar o mundo dos vivos no dia 18
de Fevereiro do ano em curso em
Queluz, Portugal e que o corpo foi
transladado para Cabo Verde, precisamente
Mindelo, São Vicente e foi
a enterrar no dia 25 do mesmo mês,
depois de estar em câmara ardente
na Câmara Municipal de São
Vicente, onde o presidente da
Câmara, convocou uma assembleia
extraordinária para exprimir em seu
nome e no do Município o reconhecimento
dos caboverdianos por
tudo aquilo que fez para a cultura
caboverdiana e em defesa da nossa
dolorosa emigração. Ainda usaram
da palavra Onésimo Silveira, actualmente
embaixador de Cabo Verde
em Portugal e Francisco
Mascarenhas, jornalista e antigo
colaborador da revista Claridade. A
nossa revista Latitudes, na sua ambição
de melhor servir a lusofonia,
convidou algumas pessoas que o
conheceram a testemunhar e a
repensar a sua obra.
Não sabemos se devemos primeiramente
falar do folclorista, do
autor da célebre morna Sina de
Cabo Verde, cantada em todos os
lugares da caboverdianidade, do
homem que foi ao teatro para melhor
sentir a alma do seu povo com
o seu humor e a sua sabedoria
popular, do contista e do poeta que
cantou Jom Cabafume, herói da baía
do Porto Grande, ou do Capitão
Ambrósio, “filho das Ilhas, coração
do povo”, que com a sua bandeira
negra defendeu e conduziu os
escorraçados da fome a escrever
uma página inesquecível da história
de Cabo Verde, ou ainda o ensaísta
que procura inventar Cabo Verde
do suor dos seus filhos, nascidos
das encruzilhadas de muitas culturas
e muitas raças.
Oriundo duma família de
homens de cultura, era filho do
poeta João Mariano e sobrinho de
Baltasar Lopes, fundador da revista
Claridade, em 1936, e autor do
romance Chiquinho que conta a
saga dos caboverdianos forçados a
emigrar para construir Cabo Verde
pelo Mundo, a quem votava um
grande respeito e amizade. Gabriel
Mariano conhecia de perto todas as
ilhas, por ter de acompanhar o pai
nas suas atribuladas funções de funcionário
público, caso ainda raro
nos nossos políticos e intelectuais.
Começou as actividades culturais no
Liceu Gil Eanes de São Vicente, associado
ao Jorge Pedro Barbosa (filho
do poeta Jorge Barbosa e actualmente
nos Estados Unidos da
América). Foi autor de várias peças
de teatro e deixou o seu nome ligado
ao Grémio Recreativo Castilho,
em São Vicente, com a peça Os
Clandestinos no Céu, de que
Valdemar Pereira nos dará o testemunho.
Compositor, associado a
Jacinto Estrela, é autor de vários textos
de mornas e sambas e em especial
da morna A Sina de Cabo Verde,
que foi gravada pela primeira vez
em 1966 pelo exímio cantor Bana,
acompanhado pelo conjunto A Voz
de Cabo Verde, numa edição da
Casa Silva, em Roterdão. No Boletim
de Cabo Verde, nos anos cinquenta,
publicou contos, ensaios e poemas,
HOMENAGEM/HOMMAGE
Homenagem
a Gabriel Mariano
In Memoriam Gabriel Mariano
Luiz Silva
50 LATITUDES n° 16 - décembre 2002
tanto em português como em crioulo,
tanto na variante de barlavento
como de sotavento.
Em 1951, vai para Portugal a fim
de seguir os estudos de direito. Em
Portugal participa nas actividades
da Casa dos Estudantes do Império;
colabora no Suplemento Cultural de
Cabo Verde; escreve poesias e
contos no Boletim de Cabo Verde e
reserva, devido à repressão da Pide,
para publicação posterior, o poema
Capitão Ambrósio, a que já fizemos
referência, e que foi trazido para
o exterior pelo professor Alfredo
Margarido; e participa também
activamente nos Colóquios
Caboverdianos organizados, em
1958, por Nuno Miranda e
Manuel Ferreira, com um texto
que guarda ainda a sua importância
intitulado Do Funco ao
Sobrado ou o Mundo que o
mulato criou. Completos os estudos
de direito, foi nomeado
Conservador dos Registos em
São Tomé e Príncipe, onde viveu
na pele e no coração o drama
dos serviçais caboverdianos nas
roças, tendo escrito vários poemas
a denunciar a situação de
semi-escravatura dos caboverdianos.
Regressou a Cabo Verde
como Conservador dos Registos,
em 1963, na cidade da Praia e
dinamizou a vida desportiva e
cultural praiense durante mais
de dois anos. Defensor intransigente
da língua caboverdiana (o
crioulo de Cabo Verde) foi transferido
compulsivamente para a Ilha de
Moçambique por ter afirmado numa
conferência, em Santa Catarina -
Santiago, que “se estudamos o latim
que é uma língua morta porque não
estudar o crioulo que é uma língua
viva?”. Ao deixar Cabo Verde publica
o livro de poemas Doze Poemas
de Circunstâncias, com capa do
Jaime Figueiredo. Mais tarde, será
de novo transferido para o Sul de
Angola, mas regressa a Cabo Verde
após a Independência. Inconformado
com o regime do partido
único e com uma justiça dependente
do Partido, segue mais tarde para
Portugal, onde reintegra os serviços
de Justiça, sendo precisamente juiz
em Sintra.
Na peugada do tio, Baltasar
Lopes, considerou sempre o mulato
o verdadeiro criador da nação caboverdiana.
O mundo que o mulato
criou não refuta nem o branco e
nem o negro na construção de Cabo
Verde, mas pretende simplesmente
afirmar que a nação é o fruto do
suor dos caboverdianos, e não pertença
exclusiva de negros ou brancos.
Ele tem a consciência da importância
dessa emigração caboverdiana,
que ele pretendeu na invenção e
construção de um Cabo Verde livre,
e que, há mais de dois séculos, após
a abolição da escravatura, se lançou
na aventura pelo Mundo, dando o
seu sangue e corpo para que Cabo
Verde fosse nação antes de ser
Estado. O mulatismo foi e será a síntese
das raças e culturas e a melhor
forma de pôr termo ao racismo e às
sequelas da escravatura e de matar
a branquitude e a negritude extremistas.
Foi o mulatismo que propulsou
uma consciência original e
necessária ao processo, que levou,
em várias etapas, Cabo Verde à
Independência cultural e política. A
ideologia do mulatismo de Baltasar
Lopes e Gabriel Mariano levou muitos
caboverdianos a rejeitar a unidade
orgânica de Cabo Verde com a
Guiné como simples resultado duma
luta conjunta nos maquis da Guiné-
Bissau, ignorando outros factores
essenciais dessa unidade, tanto de
ordem cultural como económica. O
golpe de Estado na Guiné-Bissau,
pondo termo à unidade Cabo Verde-
Guiné, revelou as fraquezas dessa
unidade e, face à realidade actual
na Guiné-Bissau, deveríamos reconhecer
ao menos as injustiças que
foram feitas àqueles que se opuseram
a essa unidade.
A caboverdianidade, como forma
de afirmar a existência duma
nação, não constitui uma negação
da africanidade, devendo,
pelo contrário, ser vista dentro
do quadro da africanidade que
envolve geograficamente Cabo
Verde. Precisamos romper com
o revisionismo histórico e quebrar
o silêncio sobre a questão
da escravatura nos livros de
história e no ensino, para que
Cabo Verde possa melhor situarse
no Mundo. Um provérbio
muito conhecido em África diz
o seguinte: “enquanto os leões
não tiverem os seus próprios historiadores,
as histórias da caça
continuam a glorificar o caçador”.
A problemática das compensações
sobre o tráfico negreiro
e a escravatura foram de novo
levantadas recentemente na
Conferência de Durban e continuam
a dividir as opiniões.
Como se sabe, os primeiros a
receber as compensações da
abolição da escravatura foram os
proprietários de escravos que reclamaram
largas compensações porque
perdiam os escravos; a Alemanha
Federal indemnizou os judeus pelos
crimes cometidos contra o seu povo;
nos Estados Unidos, no final da
Guerra de Secessão, o general
Sherman sugeriu que fosse dado a
cada um dos antigos escravos 20
hectares de terra e uma mula, proposição
que foi rejeitada pelo presidente
Andrew Johnson. Cabo Verde,
sobreviveu da escravatura, das mortandades
e das secas, graças à tenacidade
de todos os caboverdianos e
ninguém ignora o contributo dos
emigrantes.
Cabo Verde, melhor do que qualquer
outro país, está no direito de
pedir compensação ou reparação à
Gabriel Mariano
LATITUDES n° 16 - décembree 2002 51
potência colonial ou às Nações
Unidas pelo sofrimento do seu povo
ainda disperso pelos quatro cantos
do Mundo. Se um cheque não pode
compensar o sangue derramado,
como dizia Abdoulaye Wade, presidente
do Senegal, não podemos
deixar de relembrar mais uma vez,
como foi bem afirmado no
Congresso dos Quadros e do
Movimento Associativo, que os trabalhadores
caboverdianos em São
Tomé e Príncipe, deportados durante
a colonização, continuam na
impossibilidade de poder regressar
a Cabo Verde e sem receber qualquer
compensação da antiga potência
colonial. Os interesses políticos
têm levado os governos sucessivos
de Cabo Verde a não repensar a
história de Cabo Verde, a esquecer
esses compatriotas, cujos sofrimentos
foram largamente denunciados
durante a luta de libertação. Cabo
Verde ignora também todas as actividades
duma organização como a
UNESCO no sentido de considerar a
escravatura como um crime contra
a humanidade; Cabo Verde não participa
no projecto A Rota dos
Escravos, como se nada tivesse a
ver com a escravatura; Cabo Verde,
embora haja vagas nessa organização,
não coloca pessoas com provas
dadas nesse organismo, que
podiam contribuir bastante para o
seu desenvolvimento cultural e
económico.
A sua permanência em Lisboa
não só lhe enriquece no plano teórico
como também solidifica a sua
caboverdianidade. Graças à Casa
dos Estudantes do Império, descobre
alguns ensaístas das Antilhas,
como Frantz Fanon, autor dos livros
Les Damnés de la Terre e Peau noire,
masque blanc, ou ainda o Aimé
Césaire, do Cahier du retour e do
Discours sur le Colonialisme, ou
ainda outros autores ligados à
Présence Africaine, em Paris, que
continuavam a repensar as consequências
da escravidão e o processo
violento da mestiçagem, portador
de frustrações e revoltas. A sua
obstinação, em dar ao mulato um
lugar ao sol na sua Pátria, constitui
em si um acto de emancipação e de
autonomia. Se, a um dado momento,
o africanismo militante dos nacionalistas
caboverdianos entrava em
choque com o mulatismo defendido
por Gabriel Mariano e outros membros
da Claridade, a verdade é que
a história actual lhe dá razão. Nada,
entretanto, lhe impediu de marchar
lado a lado com os defensores duma
exclusiva africanidade de Cabo
Verde na luta de libertação de Cabo
Verde e Guiné-Bissau. Alguns dos
seus poemas, como Caminho de São
Tomé e Capitão Ambrósio, foram
gravados em disco pelo PAIGC,
durante a luta de libertação.
Tivemos contactos permanentes:
em 1965, durante semanas, na Ilha
do Maio, falámos de tudo e nessas
discussões estiveram presentes o Dr.
Crato Monteiro, amigo pessoal de
Amílcar Cabral e já falecido, o
Agnelo Leite e Celso Fernandes, na
altura administrador do Concelho e
também já falecido. Numa discussão
sobre o apartheid na África do Sul,
ele ousou dizer abertamente que
somente com a subida dos negros
ao poder seria possível pôr termo
ao apartheid, coisa que podia levar
qualquer pessoa à prisão da Pide.
Encontramo-nos depois na Praia, no
mesmo ano, e, face à sua transferência
compulsiva para
Moçambique, foi possível a um
grupo de amigos financiar a edição
do seu livro de poemas Doze
Poemas de Circunstâncias. Em 1974,
após a queda do fascismo em
Portugal, encontramo-nos em Lisboa
e pediu-me para publicar em Paris,
na revista da Associação
Caboverdiana de França, a segunda
parte do poema Capitão Ambrósio,
escrito na Ilha de Moçambique. Em
1992, ele esteve em Paris e pôde
entregar-me alguns exemplares do
seu livro de ensaios Cultura
Caboverdiana, com prefácio do
Professor Alberto de Carvalho, um
volume dos seus contos e ainda o
seu último livro de poemas Ladeira
Grande. Viemos depois ainda a nos
encontrar em Cabo Verde, precisamente
em São Vicente, já reformado
mas bastante doente, o que o obrigara
a regressar a Portugal.
A ausência dum projecto sobre a
emigração nos obriga a assistir, com
uma revolta permanente, o desaparecimento
de grandes figuras caboverdianas
no estrangeiro, quando
muitos após a reforma poderiam ter
regressado ao país com o seu saber,
a sua experiência e com a sua reforma.
A saúde tem importância fundamental
na economia e um país
sem saúde é obrigado a ver as suas
economias partir para os países
onde os seus cidadãos, em procura
de mais uns dias ou anos de vida,
conservam as suas economias, que
aliás poderiam ser úteis ao país. Um
exemplo neste sentido é a República
de Cuba, que embora a extrema
pobreza, conserva um sistema de
saúde dos mais importantes do terceiro
mundo. Ninguém regressa a
um país onde a saúde pública não
está garantida, mesmo se houver
grandes clínicas privadas. Cabo
Verde tem falta dum pessoal médico
mas tem mais de trezentos médicos
no estrangeiro. Pergunta-se por
culpa de quem ? E enquanto o “processo
continua” como dizia o poeta
Ovídio Martins (Vitinha, para os amigos)
seu companheiro de quarto e
de muitas coisas no Liceu de São
Vicente e em Lisboa, enquanto esse
problema da saúde não for resolvido,
“continuamos a morrer, meu
capitão” “sem culpa e sem
razão/meu Capitão/E a morte chega
sempre indesejada./Também indesejada
foi a tua/Longe deste chão,
meu capitão...” (poema Capitão
Ambrósio, de Gabriel Mariano). Não
há desenvolvimento sem saúde, não
há desenvolvimento sem justiça,
como não há desenvolvimento sem
democracia.
Ao passar pelo cemitério de São
Vicente em visita aos meus, fui fazerlhe
mais uma visita, na primeira rua,
ao lado de Baltasar Lopes. Havia
uma coroa do poeta e ensaísta
Onésimo Silveira com um extracto
do seu poema Nada nos separa dos
nossos companheiros. Podes estar
certo Gaby, amigo de todas as horas,
verdadeiro caboverdiano e universalista
convicto, que nada nos separa.
Pedimos que o teu nome seja
dado a uma rua, a uma escola, e
uma estátua no coração da ilha em
tua memória. O Capitão Ambrósio
teve a sua rua no coração do povo.
Caboverdianamente
Paris-Mindelo, Abril de 2002
http://www.revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17_16_15.pdf
No n° 12 de Latitudes, de
Setembro de 2001, prestámos
nesta revista uma
simbólica homenagem a Dante
Mariano. Nessa altura, Gabriel
Mariano, o irmão mais velho, embora
o seu estado de saúde ser já preocupante,
quis trazer-nos alguns testemunhos
sobre os vários combates
em que participou o seu irmão
Dante e falar do seu espólio literário.
Acontece, porém, que acabamos
de receber a notícia de que o
Gabriel Mariano também veio a
deixar o mundo dos vivos no dia 18
de Fevereiro do ano em curso em
Queluz, Portugal e que o corpo foi
transladado para Cabo Verde, precisamente
Mindelo, São Vicente e foi
a enterrar no dia 25 do mesmo mês,
depois de estar em câmara ardente
na Câmara Municipal de São
Vicente, onde o presidente da
Câmara, convocou uma assembleia
extraordinária para exprimir em seu
nome e no do Município o reconhecimento
dos caboverdianos por
tudo aquilo que fez para a cultura
caboverdiana e em defesa da nossa
dolorosa emigração. Ainda usaram
da palavra Onésimo Silveira, actualmente
embaixador de Cabo Verde
em Portugal e Francisco
Mascarenhas, jornalista e antigo
colaborador da revista Claridade. A
nossa revista Latitudes, na sua ambição
de melhor servir a lusofonia,
convidou algumas pessoas que o
conheceram a testemunhar e a
repensar a sua obra.
Não sabemos se devemos primeiramente
falar do folclorista, do
autor da célebre morna Sina de
Cabo Verde, cantada em todos os
lugares da caboverdianidade, do
homem que foi ao teatro para melhor
sentir a alma do seu povo com
o seu humor e a sua sabedoria
popular, do contista e do poeta que
cantou Jom Cabafume, herói da baía
do Porto Grande, ou do Capitão
Ambrósio, “filho das Ilhas, coração
do povo”, que com a sua bandeira
negra defendeu e conduziu os
escorraçados da fome a escrever
uma página inesquecível da história
de Cabo Verde, ou ainda o ensaísta
que procura inventar Cabo Verde
do suor dos seus filhos, nascidos
das encruzilhadas de muitas culturas
e muitas raças.
Oriundo duma família de
homens de cultura, era filho do
poeta João Mariano e sobrinho de
Baltasar Lopes, fundador da revista
Claridade, em 1936, e autor do
romance Chiquinho que conta a
saga dos caboverdianos forçados a
emigrar para construir Cabo Verde
pelo Mundo, a quem votava um
grande respeito e amizade. Gabriel
Mariano conhecia de perto todas as
ilhas, por ter de acompanhar o pai
nas suas atribuladas funções de funcionário
público, caso ainda raro
nos nossos políticos e intelectuais.
Começou as actividades culturais no
Liceu Gil Eanes de São Vicente, associado
ao Jorge Pedro Barbosa (filho
do poeta Jorge Barbosa e actualmente
nos Estados Unidos da
América). Foi autor de várias peças
de teatro e deixou o seu nome ligado
ao Grémio Recreativo Castilho,
em São Vicente, com a peça Os
Clandestinos no Céu, de que
Valdemar Pereira nos dará o testemunho.
Compositor, associado a
Jacinto Estrela, é autor de vários textos
de mornas e sambas e em especial
da morna A Sina de Cabo Verde,
que foi gravada pela primeira vez
em 1966 pelo exímio cantor Bana,
acompanhado pelo conjunto A Voz
de Cabo Verde, numa edição da
Casa Silva, em Roterdão. No Boletim
de Cabo Verde, nos anos cinquenta,
publicou contos, ensaios e poemas,
HOMENAGEM/HOMMAGE
Homenagem
a Gabriel Mariano
In Memoriam Gabriel Mariano
Luiz Silva
50 LATITUDES n° 16 - décembre 2002
tanto em português como em crioulo,
tanto na variante de barlavento
como de sotavento.
Em 1951, vai para Portugal a fim
de seguir os estudos de direito. Em
Portugal participa nas actividades
da Casa dos Estudantes do Império;
colabora no Suplemento Cultural de
Cabo Verde; escreve poesias e
contos no Boletim de Cabo Verde e
reserva, devido à repressão da Pide,
para publicação posterior, o poema
Capitão Ambrósio, a que já fizemos
referência, e que foi trazido para
o exterior pelo professor Alfredo
Margarido; e participa também
activamente nos Colóquios
Caboverdianos organizados, em
1958, por Nuno Miranda e
Manuel Ferreira, com um texto
que guarda ainda a sua importância
intitulado Do Funco ao
Sobrado ou o Mundo que o
mulato criou. Completos os estudos
de direito, foi nomeado
Conservador dos Registos em
São Tomé e Príncipe, onde viveu
na pele e no coração o drama
dos serviçais caboverdianos nas
roças, tendo escrito vários poemas
a denunciar a situação de
semi-escravatura dos caboverdianos.
Regressou a Cabo Verde
como Conservador dos Registos,
em 1963, na cidade da Praia e
dinamizou a vida desportiva e
cultural praiense durante mais
de dois anos. Defensor intransigente
da língua caboverdiana (o
crioulo de Cabo Verde) foi transferido
compulsivamente para a Ilha de
Moçambique por ter afirmado numa
conferência, em Santa Catarina -
Santiago, que “se estudamos o latim
que é uma língua morta porque não
estudar o crioulo que é uma língua
viva?”. Ao deixar Cabo Verde publica
o livro de poemas Doze Poemas
de Circunstâncias, com capa do
Jaime Figueiredo. Mais tarde, será
de novo transferido para o Sul de
Angola, mas regressa a Cabo Verde
após a Independência. Inconformado
com o regime do partido
único e com uma justiça dependente
do Partido, segue mais tarde para
Portugal, onde reintegra os serviços
de Justiça, sendo precisamente juiz
em Sintra.
Na peugada do tio, Baltasar
Lopes, considerou sempre o mulato
o verdadeiro criador da nação caboverdiana.
O mundo que o mulato
criou não refuta nem o branco e
nem o negro na construção de Cabo
Verde, mas pretende simplesmente
afirmar que a nação é o fruto do
suor dos caboverdianos, e não pertença
exclusiva de negros ou brancos.
Ele tem a consciência da importância
dessa emigração caboverdiana,
que ele pretendeu na invenção e
construção de um Cabo Verde livre,
e que, há mais de dois séculos, após
a abolição da escravatura, se lançou
na aventura pelo Mundo, dando o
seu sangue e corpo para que Cabo
Verde fosse nação antes de ser
Estado. O mulatismo foi e será a síntese
das raças e culturas e a melhor
forma de pôr termo ao racismo e às
sequelas da escravatura e de matar
a branquitude e a negritude extremistas.
Foi o mulatismo que propulsou
uma consciência original e
necessária ao processo, que levou,
em várias etapas, Cabo Verde à
Independência cultural e política. A
ideologia do mulatismo de Baltasar
Lopes e Gabriel Mariano levou muitos
caboverdianos a rejeitar a unidade
orgânica de Cabo Verde com a
Guiné como simples resultado duma
luta conjunta nos maquis da Guiné-
Bissau, ignorando outros factores
essenciais dessa unidade, tanto de
ordem cultural como económica. O
golpe de Estado na Guiné-Bissau,
pondo termo à unidade Cabo Verde-
Guiné, revelou as fraquezas dessa
unidade e, face à realidade actual
na Guiné-Bissau, deveríamos reconhecer
ao menos as injustiças que
foram feitas àqueles que se opuseram
a essa unidade.
A caboverdianidade, como forma
de afirmar a existência duma
nação, não constitui uma negação
da africanidade, devendo,
pelo contrário, ser vista dentro
do quadro da africanidade que
envolve geograficamente Cabo
Verde. Precisamos romper com
o revisionismo histórico e quebrar
o silêncio sobre a questão
da escravatura nos livros de
história e no ensino, para que
Cabo Verde possa melhor situarse
no Mundo. Um provérbio
muito conhecido em África diz
o seguinte: “enquanto os leões
não tiverem os seus próprios historiadores,
as histórias da caça
continuam a glorificar o caçador”.
A problemática das compensações
sobre o tráfico negreiro
e a escravatura foram de novo
levantadas recentemente na
Conferência de Durban e continuam
a dividir as opiniões.
Como se sabe, os primeiros a
receber as compensações da
abolição da escravatura foram os
proprietários de escravos que reclamaram
largas compensações porque
perdiam os escravos; a Alemanha
Federal indemnizou os judeus pelos
crimes cometidos contra o seu povo;
nos Estados Unidos, no final da
Guerra de Secessão, o general
Sherman sugeriu que fosse dado a
cada um dos antigos escravos 20
hectares de terra e uma mula, proposição
que foi rejeitada pelo presidente
Andrew Johnson. Cabo Verde,
sobreviveu da escravatura, das mortandades
e das secas, graças à tenacidade
de todos os caboverdianos e
ninguém ignora o contributo dos
emigrantes.
Cabo Verde, melhor do que qualquer
outro país, está no direito de
pedir compensação ou reparação à
Gabriel Mariano
LATITUDES n° 16 - décembree 2002 51
potência colonial ou às Nações
Unidas pelo sofrimento do seu povo
ainda disperso pelos quatro cantos
do Mundo. Se um cheque não pode
compensar o sangue derramado,
como dizia Abdoulaye Wade, presidente
do Senegal, não podemos
deixar de relembrar mais uma vez,
como foi bem afirmado no
Congresso dos Quadros e do
Movimento Associativo, que os trabalhadores
caboverdianos em São
Tomé e Príncipe, deportados durante
a colonização, continuam na
impossibilidade de poder regressar
a Cabo Verde e sem receber qualquer
compensação da antiga potência
colonial. Os interesses políticos
têm levado os governos sucessivos
de Cabo Verde a não repensar a
história de Cabo Verde, a esquecer
esses compatriotas, cujos sofrimentos
foram largamente denunciados
durante a luta de libertação. Cabo
Verde ignora também todas as actividades
duma organização como a
UNESCO no sentido de considerar a
escravatura como um crime contra
a humanidade; Cabo Verde não participa
no projecto A Rota dos
Escravos, como se nada tivesse a
ver com a escravatura; Cabo Verde,
embora haja vagas nessa organização,
não coloca pessoas com provas
dadas nesse organismo, que
podiam contribuir bastante para o
seu desenvolvimento cultural e
económico.
A sua permanência em Lisboa
não só lhe enriquece no plano teórico
como também solidifica a sua
caboverdianidade. Graças à Casa
dos Estudantes do Império, descobre
alguns ensaístas das Antilhas,
como Frantz Fanon, autor dos livros
Les Damnés de la Terre e Peau noire,
masque blanc, ou ainda o Aimé
Césaire, do Cahier du retour e do
Discours sur le Colonialisme, ou
ainda outros autores ligados à
Présence Africaine, em Paris, que
continuavam a repensar as consequências
da escravidão e o processo
violento da mestiçagem, portador
de frustrações e revoltas. A sua
obstinação, em dar ao mulato um
lugar ao sol na sua Pátria, constitui
em si um acto de emancipação e de
autonomia. Se, a um dado momento,
o africanismo militante dos nacionalistas
caboverdianos entrava em
choque com o mulatismo defendido
por Gabriel Mariano e outros membros
da Claridade, a verdade é que
a história actual lhe dá razão. Nada,
entretanto, lhe impediu de marchar
lado a lado com os defensores duma
exclusiva africanidade de Cabo
Verde na luta de libertação de Cabo
Verde e Guiné-Bissau. Alguns dos
seus poemas, como Caminho de São
Tomé e Capitão Ambrósio, foram
gravados em disco pelo PAIGC,
durante a luta de libertação.
Tivemos contactos permanentes:
em 1965, durante semanas, na Ilha
do Maio, falámos de tudo e nessas
discussões estiveram presentes o Dr.
Crato Monteiro, amigo pessoal de
Amílcar Cabral e já falecido, o
Agnelo Leite e Celso Fernandes, na
altura administrador do Concelho e
também já falecido. Numa discussão
sobre o apartheid na África do Sul,
ele ousou dizer abertamente que
somente com a subida dos negros
ao poder seria possível pôr termo
ao apartheid, coisa que podia levar
qualquer pessoa à prisão da Pide.
Encontramo-nos depois na Praia, no
mesmo ano, e, face à sua transferência
compulsiva para
Moçambique, foi possível a um
grupo de amigos financiar a edição
do seu livro de poemas Doze
Poemas de Circunstâncias. Em 1974,
após a queda do fascismo em
Portugal, encontramo-nos em Lisboa
e pediu-me para publicar em Paris,
na revista da Associação
Caboverdiana de França, a segunda
parte do poema Capitão Ambrósio,
escrito na Ilha de Moçambique. Em
1992, ele esteve em Paris e pôde
entregar-me alguns exemplares do
seu livro de ensaios Cultura
Caboverdiana, com prefácio do
Professor Alberto de Carvalho, um
volume dos seus contos e ainda o
seu último livro de poemas Ladeira
Grande. Viemos depois ainda a nos
encontrar em Cabo Verde, precisamente
em São Vicente, já reformado
mas bastante doente, o que o obrigara
a regressar a Portugal.
A ausência dum projecto sobre a
emigração nos obriga a assistir, com
uma revolta permanente, o desaparecimento
de grandes figuras caboverdianas
no estrangeiro, quando
muitos após a reforma poderiam ter
regressado ao país com o seu saber,
a sua experiência e com a sua reforma.
A saúde tem importância fundamental
na economia e um país
sem saúde é obrigado a ver as suas
economias partir para os países
onde os seus cidadãos, em procura
de mais uns dias ou anos de vida,
conservam as suas economias, que
aliás poderiam ser úteis ao país. Um
exemplo neste sentido é a República
de Cuba, que embora a extrema
pobreza, conserva um sistema de
saúde dos mais importantes do terceiro
mundo. Ninguém regressa a
um país onde a saúde pública não
está garantida, mesmo se houver
grandes clínicas privadas. Cabo
Verde tem falta dum pessoal médico
mas tem mais de trezentos médicos
no estrangeiro. Pergunta-se por
culpa de quem ? E enquanto o “processo
continua” como dizia o poeta
Ovídio Martins (Vitinha, para os amigos)
seu companheiro de quarto e
de muitas coisas no Liceu de São
Vicente e em Lisboa, enquanto esse
problema da saúde não for resolvido,
“continuamos a morrer, meu
capitão” “sem culpa e sem
razão/meu Capitão/E a morte chega
sempre indesejada./Também indesejada
foi a tua/Longe deste chão,
meu capitão...” (poema Capitão
Ambrósio, de Gabriel Mariano). Não
há desenvolvimento sem saúde, não
há desenvolvimento sem justiça,
como não há desenvolvimento sem
democracia.
Ao passar pelo cemitério de São
Vicente em visita aos meus, fui fazerlhe
mais uma visita, na primeira rua,
ao lado de Baltasar Lopes. Havia
uma coroa do poeta e ensaísta
Onésimo Silveira com um extracto
do seu poema Nada nos separa dos
nossos companheiros. Podes estar
certo Gaby, amigo de todas as horas,
verdadeiro caboverdiano e universalista
convicto, que nada nos separa.
Pedimos que o teu nome seja
dado a uma rua, a uma escola, e
uma estátua no coração da ilha em
tua memória. O Capitão Ambrósio
teve a sua rua no coração do povo.
Caboverdianamente
Paris-Mindelo, Abril de 2002
http://www.revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17_16_15.pdf
Subscrever:
Mensagens (Atom)