Há muito, que penso no deus bíblico, Jeová de seu nome, que parece querer dizer "Eu Sou". Nas suas contradições e maluqueiras, representará o bem? E Lúcifer, o anjo mais belo e inteligente da corte divina representará o mal? O que dizer do deus de Abraão, quando ordena que sacrifique o seu filho, como grande prova de amor, crença, fidelidade, lealdade ou o que quer que seja. Ou nos célebres pactos entre deus e Lúcifer, porque eles conversam e fazem apostas, sendo objectos das suas apostas o ser humano. Coitado de Job.
"Eu Sou" o outro não-é: versão de um feudalismo pró celestial, senhor, vassalo e o servo da gleba obediente, porque não é livre. Se disser a uma criança, entra nessa despensa cheia de chocolates, mas não podes comer nenhum, porque é proíbido. Estarei a ser justo?Desde Giovanni Papini, escritor italiano, com o seu pequeno grande livro "O Diabo" ou "A Neurose Cristã" de Dr. Pierre Solignac ou ainda "Porque não sou cristão", de Bertrand Russel tenho questionado esse deus de Adão e Eva, Noé, Abraão, Moisés, etc., pensando dizia: ele é mau, porque é vingativo, disparatado e maníaco.
Observem esta passagem do livro "Porque não sou cristão", dize o seu autor: "Abordar a questão da existência de Deus, eis uma grande e séria questão, e se me determinasse tratá-la de modo adequado, seria necessário reter-vos aqui até à chegada do reino de Deus. Por isso, espero que me desculpareis por a tratar de um modo um tanto sumário. Sabeis, naturalmente, que a Igreja Católica erigiu em dogma que a existência de Deus pode ser demonstrada pela via racional. É um dogma assaz curioso mas não deixa de o ser. Tornou-se necessário introduzi-lo porque em determinado momento os livre-pensadores adoptaram o hábito de declarar que existiam este e aquele argumentos racionais contra a existência de Deus e que a aceitação dessa existência era matéria de fé. Os argumentos e as razões foram expostos minuciosamente e a Igreja Católica entendeu que lhes devia pôr um ponto final. E adoptou mais esse princípio de que a existência de Deus pode ser demonstrada pela simples via racional, e ela própria estabeleceu o que considerava como argumentos dessa prova. São sem dúvida bastantes, mas contentar-me-ei em invocar alguns…"
E concluindo diz o mesmo autor:
"Todo o conceito de Deus é tirado do velho despotismo oriental. É uma concepção absolutamente indigna de homens livres. Quando sei de pessoas que se curvam nas igrejas confessando-se miseráveis pecadoras, e tudo o mais, tenho isso como desprezível, incompatível com o respeito que devemos a nós próprios. Devemos, ao contrário, olhar o mundo francamente e no seu rosto. Devemos melhorar este mundo e, se ele não é tão bom quanto desejávamos, que ele seja melhor do que o construído no passado pelos outros. Um mundo à nossa medida exige saber, bondade e coragem; não exige uma intensa nostalgia do passado, nem o acorrentar da livre inteligência aos entraves impostos pelas fórmulas que os antigos ignorantes inventaram. O que uma perspectiva do futuro desligada do terror exige é uma visão clara das realidades. Que exige a esperança no futuro não é o refluxo constante a um passado morto, que, estamos certos, será em muito ultrapassado pelo futuro que a nossa inteligência é capaz de criar."
José Saramago, ajudou-me a esquematizar e sintetizar, com acutilante inteligência e ironia, o meu pensamento sobre esse deus bíblico. Viagem surrealista, misto da gaivota Fernão Capelo, estória de liberdade, aprendizagem e amor e Alice no País das Maravilhas, em que Caim não caiu numa toca e utilizando um burro como cápsula do
espaço/tempo movimenta-se pelas folhas do Antigo Testamento.
E Cristo, o operário, talvez místico, talvez crente nesse deus, todavia, não tinha sentimentos vingativos, pelo contrário, foi solidário e divulgou a solidariedade, amou e difundiu o reino do amor, tanto que amou Madalena. Não era rancoroso, foi um libertador de um mundo injusto. Esse mundo inadequado criaram nele a revolta. Será, que Cristo deixou de acreditar no seu pai, no momento da crucificação? Será, que Cristo pensaria que o pai seria como ele? Afinal, o cordeiro foi ele e foi ele mais um dos sacrifícios exigidos por um senhor, senil, que perdeu o contacto com a realidade, dono de uma soberania bipolar.
Concluindo com Saramago: "a única coisa que se sabe de ciência certa" é que "o homem e deus discutiram" e que "a discutir estão ainda."
"Deus meu, meu Deus, repara em mim, porque me abandonaste?
Eli,Eli, lama sabachthani.
13 de Novembro de 2009
João Mariano