quinta-feira, junho 27, 2013

Riacho-Sem-Nome

Para uma menina que se chama Sofia Margarida
 
Perto da minha casa existe um riacho. Não sei o seu nome. O riacho perto da minha casa vai ao encontro do rio Jamor e o rio Jamor corre para chegar a um rio muito grande chamado Tejo. Vocês sabem o que é um afluente? É um rio que se vai juntar a outro rio.
Como não sei o nome do riacho, vou chamá-lo Riacho-Sem-Nome. Aqui há tempos um vizinho contou-me, na época ele era criança, que tomava banho, pescava e brincava com outros meninos no Riacho-Sem-Nome. Depois iam beber leite fresquinho fornecido por umas vacas que por ali pastavam.
Conto-vos este pequeno relato, porque quando conheci o Riacho-Sem-Nome, ele parecia um esgoto, toda a gente deitava lixo para as suas águas e as fábricas poluíam o Riacho-Sem-Nome, contaminando-o, matando os peixes. Aqui entre nós, as águas não se poluem sozinhas. O meu vizinho e os outros meninos nunca mais foram brincar com o Riacho-Sem-Nome. Ele tornou-se um riacho muito triste e sombrio.
Certo dia, as mesmas pessoas, que sujaram e estragaram o Riacho-Sem-Nome, resolveram limpá-lo e deixaram de poluir as suas águas. Por isso, todos os anos, começaram a aparecer uns patos de nome Pato real.
O Riacho-Sem-Nome ficou mesmo feliz e contente, porque os patos ao verem as águas limpinhas, durante os meses de Março e Junho, isto é, na primavera, resolveram construir as suas casinhas nas suas margens. Nesses meses, os patos e as patas começam a namorar e acasalam. As mães patas vão para os seus ninhos e põe os ovos. Depois é vê-las a passear os seus filhinhos, os patinhos, entre as rochas, debicando aqui, mergulhando ali, com as cabecinhas dentro de água, procurando pequenas plantas e pequenos sapos.
Os patos machos têm uma cabeça verde e um anel branco no pescoço, as costas, são cinzentas e o peito de um tom castanho-escuro. Estas cores tornam-se mais fortes quando é o período de acasalamento, ficam ainda mais bonitos, para chamar a atenção de uma pata e conquistar o seu coração. As fêmeas têm um corpo de tom castanho claro e geralmente são mais pequenas que os machos.
Todas as noites, quando as suas águas correm por entre as pedras e as árvores, o Riacho-Sem-Nome murmura uma musiquinha. Hoje, deixou de ser triste e sombrio, por isso, passei a chamá-lo de Riacho-Sem-Nome em homenagem a todas as águas, riachos, rios e mares, que neste momento, estão tristes e sozinhos.
 
João Mariano

 

 

quarta-feira, abril 17, 2013

O peixe morre


O peixe morre

com o anzol na boca

gancho, ardil

febril com a sua isca

com todos ou não

frita o fígado

órgão maior

secretor da bílis e do fel

há quem os tenha maus

como as naus

que foram ao encontro do Adamastor

na imaginária linha do horizonte

com dor ou com medo

ou com grande soberba

e prósperos troféus

o capitão com grande fama

de tocar os céus enfrentou-o

tinha disforme e grandíssima estatura

dentadura esverdeada

figura medonha e má

coitado de amor padecia

por castigo foi desterrado

e amarrado com correntes a um penedo

ficou no fim-do-mundo

chorando um choro

entre dois oceanos

de formosa e miserável prisão.

 

João Mariano

quinta-feira, fevereiro 21, 2013

Esta terra não é tua

Esta terra não é tua
Esta terra não te pertence

Regas as tuas sementeiras
com o sangue do teu semelhante
e queres sempre mais sangue
não o ajudas a levantar a carga
que tu determinas
 
Esta terra não é tua
Esta terra não te pertence

A semente que lanças ao chão
degrada quem te rodeia
porque és pequeno e mísero

Sugado pelo teu apetite devorador
como se um louco fosses
soltando faíscas e flechas
exangue permanece o teu irmão
enfraquecido no catre que lhe subtraíste.

Esta terra não é tua
Esta terra não te pertence.
 
João Mariano

“Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: Ame o seu próximo como a si mesmo.” – Cristo, o Operário
 

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

Sou pastor de processos


Sou pastor de processos

Pastoreio-os pelas íngremes colinas

da Casa da Justiça

 

Sou pastor de processos

Alimento-os com papel e tinta

ficam lãzudos e luzidios

depois, gordos, com consistência xaroposa

 

Sou pastor de processos

Apascento-os

deleitando-me com a sua marcha

quase mórbida, com o seu decurso lânguido

 

Não curo almas

Sou guardador de processos

que é acordado de manhã

por uma lei maior e inacessível

em perfeita conformidade

com os donos das íngremes colinas.

 

João Mariano