quinta-feira, novembro 24, 2011

Espiral
curva plana
girando em torno do seu polo
ora se afastando
ora se aproximando

Minha linha curva
que não se fecha
vai dando voltas
enroscando-se nas colunas do tempo
sem nunca retoceder...

João Mariano

Espiral

quinta-feira, novembro 17, 2011

Moamba no morro

Moamba no morro
cidade sem forro
no ar pairando 

O cheiro a óleo de dendê e a peixe seco

À sombra de palmeiras e coqueiros
desfilam na avenida
a riqueza facilmente despojada
aos pés-descalços da vida
perdidos nos bolsos vazios

Moamba no morro
cidade sem escolha
no ar permanecendo

O caminhar requebrado da mulata chinelando

quinta-feira, setembro 08, 2011

Expiação

Assombraram dentro de mim
as marés
e os longínquos ventos
do tempo passado.

Todavia,
o mar é azul
o teu sorriso cor-de-rosa
e o teu meigo olhar
na noite fria
anuncia um beijo doce e quente

Quero expiar a minha culpa
quero cumprir a minha penitência
purificar minh’alma
lavar o meu corpo
nas lágrimas que escorreram pela tua face

Quero tirar a opressão do teu choro
ecoando no meu cérebro:

Eis a minha culpa!

terça-feira, julho 19, 2011

A Maneira

Estamos aqui reunidos para decidir a maneira. Todos nós sabemos a maneira, mas não sabemos como lá chegar.


O que tenho para transmitir é sugerir o caminho para a maneira. Após uma análise cuidada, dei conta que o caminho é sinuoso e a maneira encontra-se para além desta sinuosidade. Teremos, pois, de descobrir um ponto de partida. Aqui, o problema é deveras complexo, porque torna-se visível, a olho nu, outros pontos, nomeadamente, o ponto e vírgula e os dois pontos, para não mencionar o ponto parágrafo. Este último é muito importante, uma vez que, poderemos dar um salto qualitativo para atingir a maneira.

O ponto final é de afastar de forma liminar. Vejamos: o ponto final, como o próprio ponto indica, é o fim do caminho, significa, portanto, se encontrarmos a maneira, encontraremos o ponto final.

A primeira conclusão será esta: o ponto final, nunca poderá ser o ponto de partida para alcançarmos o que pretendemos, a maneira.

O ponto e vírgula tem pausas, é urgente saber a maneira, estar com ela intimamente, com estas pausas, teremos de efectuar orações e separar as partes do nosso caminho. A maneira vai-se perdendo nos horizontes de todos os horizontes.

Os dois pontos indicam os primeiros sintomas de um acontecimento. Já não é mau, porque é um sinal precursor do caminho que encorajadoramente insistimos em fazer, atingir a maneira.

A segunda conclusão será esta: os dois pontos não são um ponto de partida para atingir a maneira, porque trata-se, só e apenas, de um sintoma, de um sinal enviado pela maneira.

Quanto ao ponto parágrafo é reconfortante saber, que quando acaba uma coisa, começa outra. Mas é aterrorizante perceber que para começar essa outra, devemos acabar alguma coisa. Por outro lado, o símbolo para parágrafo é representado por dois “esses” unidos. Não será conveniente separar o que está unido. O parágrafo, é pois, o precursor da mudança de linha e do espaço. Por isso realcei, há pouco, a sua importância para atingir a maneira. O ponto parágrafo tem um porém: está em constante mutação, tanto na sua linha, como no espaço que ocupa.

Como atingir a maneira, se ainda não encontramos o ponto de partida? Como poderemos partir, se não sabemos como lá chegar?

A terceira conclusão será esta: a descoberta do ponto é fundamental para atingirmos a maneira.

Queluz, 19 de Julho de 2011

João Mariano

quarta-feira, junho 22, 2011

Eterno retorno

“Necessário vos é nascer de novo.”
  – Jesus, o Cristo, filho de José, o operário. João, 3,7

Ana Baptista
Cansada do seu falecido marido
De tanto o amar
Dele não se quer lembrar.

A casa à beira-mar nascida
Longe dos fumos da cidade
Tornou-se lembrança
Pesada
Como se idade não tivesse.
Ana, não sabe ou não quer ninguém
Mas se alguém não fosse
Como seu falecido e amado marido
De novo se enamorava?

João Mariano

quarta-feira, junho 08, 2011

Soberba

Ei meu!
Já viste os cartões de visita
do Prof. Dr. XPTO e do Prof. Dr. XPTO mais um
que transporto na minha carteira?

Nem as minhas bebedeiras
Nem o meu estado maníaco-depressivo
Nem as tristes figuras que figuram
no que faço
impendem que tão lustres pessoas
reconheçam o meu elevado estatuto.

Sou mais velho
do que Cristo, o operário
Sou do tempo de Alexandria
Até nem sei o que faço aqui
por aquilo que nunca fui
Finjo ser o que não sou
porque os outros
são o meu desdém.

Grito quando quero
e berrando imponho
os meus erros

Sou um astro em ascensão

Tenho comigo cartões de visita
XPTO e XPTO mais um
Nem as tristes figuras que figuram
no que faço
impendem que tão lustres pessoas
reconheçam a minha vanglória.

João Mariano

quarta-feira, maio 25, 2011

Aniversário afastado no Tempo

Hoje é dia de aniversário
do teu aniversário, meu pai
dia em que se completam os teus 83 anos

Todavia, a tua ausência
faz-se sentir nesta Terra-Longe.

Veio-me à memória,
no tempo que era menino,
o dia em que viajaste para a Ilha Brava
e pensando quis,
furar o retrato em que encaras
o mundo com um semblante circunspecto,
para contigo poder permanecer.

Hoje,
não vou perfurar o retrato
porque no tempo em que estamos
contemplo esta medida arbitrária da duração das coisas
este processo de produção de imagens através da fixação da luz:
olhando para ti
para a tua imagem reproduzida pela fotografia
sinto radiosamente o teu olhar luminoso.

Meu pai
Hoje
Não tem presente, não
Hoje tem a tua recordação
Como se presente estivesses.

18 de Maio de 2011
João Mariano

sexta-feira, maio 13, 2011

Crache


Tenho a cabeça a estourar
os ouvidos zumbindo
e de tanto zumbir
que o peito apertando com tanta gravidade
que mais parece estrela de neutrões

Nada mais faz sentido
tenho dificuldade em caminhar
as pernas não executam a ordem
não querem obedecer
porque nada há a cumprir

Sem agrado nesta rotina que me prende
arrasto-me dentro de mim
e nesta náusea que eu próprio criei
sufocando me vou afundando

Onde está a luz
que me encanta e ilumina?

Anseio por ela…
Padeço por ela…

Suplicando te peço:
tira-me deste sono com o teu sorriso
e na matinal manhã com o teu jeito
levemente passa a tua mão quente
sobre o meu peito.

Onde está a luz
que me encanta e ilumina?

Anseio por ela…
Padeço por ela…

Queluz, 13 de Maio de 2011
João Mariano

segunda-feira, maio 09, 2011

Uma andorinha na primavera

Uma andorinha na primavera
um bando delas no meu quintal
um voo a pique descendo o penhasco

A nuvem escura pairando no céu
escondendo o Sol, anunciando tempestade
rajadas furiosas batendo na parede branca
a árvore com as raízes de fora da terra
revelando a morte anunciada
 
Uma andorinha na primavera
um bando delas no meu quintal
um voo a pique descendo o penhasco

O cansaço da rotina
o desespero da velocidade do tempo
o choque eléctrico provocado
pelo ribombar dos trovões

Uma andorinha na primavera
um bando delas no meu quintal
um voo a pique descendo o penhasco

O berço às avessas
e a rua estreita que termina em beco
nesta estiagem em que o vento frio
trespassa a fresta da janela
penetrando como pequena peça metálica
nas mãos de soldados indisciplinados

Uma andorinha na primavera
um bando delas no meu quintal
um voo a pique descendo o penhasco

Pedrobala

quinta-feira, maio 05, 2011

Máquina Ácida

Vem ter comigo sou a máquina ácida
desiste dos campos em flor
desmembra-te dos rios, cujas margens os afrotam
renuncia ao teu aspecto natural

Vem, fica comigo
sou a máquina com artifícios
a velha máquina que cheira a óleo
a petróleo e a gasolina

Regressa filho pródigo
aos meus braços de ferro e aço
na certeza que teus passos imundos
caminharão por linhas rectas
e ângulos agudos sem máculas

Regressa meu louco perdulário
ao meu ventre de fios de cobre
nesta cavidade
nunca terás dúvidas, nem receios
passarás a ser dúctil e maleável
porque a tua vida será um número binário

Vem, fica comigo
sou a máquina com artifícios
a velha máquina que cheira a óleo
a petróleo e a gasolina…

Pedrobala

quarta-feira, abril 20, 2011

TROIKA


Quem és tu

que implantado em ti
recebes como preço
a trindade santíssima?

Quem és tu triunvirato?

Acaso serás Júlio, o César?
Pompeu, o Grande ou Marco, o Crasso?

Quem és tu?

Acaso serás aquele país
onde a vida é um grande deslumbramento?

Que missão alinhada
tinges na tua persona?

Porque colocas no corpo do outro
a roupa que o deve cobrir?


Queluz, 20 de Abril de 2011

João Mariano

quarta-feira, março 30, 2011

Pedra solta

I
Foi um caminho longo
sem pausas e de costas voltadas
nada fazia prever o sentido
embora no rumo das estradas
tocasse apenas um hino decadente.

II
Estranhas e velhas as cantigas
em dissonantes notas
ecoando em paredes antigas
cujo destino não foi traçado
nas estrelas longínquas
mas no chão batido e pisado
da terra que não pariu.

III
Agora, desconcertante, surge o passado
esse tempo que não é estático
que surpreende sem aviso prévio
como se fosse navio sem rumo
procurando sem encontrar
a enseada d’areia branca da sua âncora.

Na terra que não pariu
o chão batido e pisado não floriu.

João Mariano

quarta-feira, março 23, 2011

Docemente para ti

meu amor
por estar preso
a esta cadeia de ferro,
que me veda
de ir ao teu encontro,
mas não impede
o desejo de ser contigo intensamente,
apenas sei, ó minha primavera,
que sem ti a luz já não existe.
Todavia,
nesta penumbra meio esquecida
da vela de estearina que me ilumina
anseio o cume extenso
em que o nosso amor se aninha.

João Mariano

sexta-feira, março 18, 2011

Pequena estrela do nosso jardim ou Silêncio

Nesta área plana
coberta de areia ou de pequenos seixos
que confina com o mar
a tarde caiu e com o aproximar da noite
surgiste distante e formosa
balançando suavemente o corpo
como embarcação de pequenas dimensões e sem coberta.

Nossos olhos cruzaram-se reciprocamente.

Como corpos marinhos
ligados ao oceano, estrela do nosso jardim,
mergulhamos
na grande massa e extensão de água salgada
abraçados, sem bulício e sem sons dissonantes
contemplando a esfera celeste
e assim recolhidos ficamos
como se tivéssemos cessado de falar
ou de produzir qualquer som.

Nossos lábios uniram-se
e na maré cheia a lua nasceu.

João Mariano

http://www.youtube.com/watch?v=F4y90M9-tP8

Finge que te conheces a ti próprio e serás feliz!

O Sócrates, não o filósofo ateniense, que se dedicava à maiêutica (parto das ideias) dos cidadãos de Atenas, levando-os a colocar em causa os seus juízos de valor acerca de determinado assunto, conduzindo-os a novas ideias do tema em discussão, mas, o José, o engenheiro, pertence a uma geração, que quer ser e não é limpa. É assética. Aparenta ser e não é ambientalista, utiliza veículo automóvel eléctrico para o retrato, é dada ao exercício físico para adquirir dotes físicos e não refresca as ideias morais, éticas e intelectuais. Gosta de gente bonita por dentro (?) e frequenta as passarelas da moda, tem o capricho da educação e a prática dos usos da gente fina, mas não tem instrução, polidez e cortesia.

É uma geração que se vale de uma concepção do ser, que lhe dá armas argumentativas para embaraçar e colocar em contradição os seus oponentes, validando a sua actividade de mago das palavras, de criador de imagens e simulacros daquilo que será o bom, o belo e o justo funcionamento da cidade e do cidadão.

Finge que te conheces a ti próprio e serás feliz!

João Mariano

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Brando murmúrio

Esta camada superficial do solo
terra árida e impaciente
não é maior
que a pupila dos meus olhos:
tem a grandeza
da tua inquietação e das tuas revoltas.


Crispando as mãos à beira-mar
senti saudades tuas,
dos teus olhos, vivas opalas,
do teu ar de triunfo iluminado com que andas
por terras com bosques de névoa
rios de prata e montanhas de ouro.


Hoje crispei as mãos à beira-mar
e por minh’alma vai passando
tal como em seu apartamento,
uma gata de todo encantamento
e de inaudito murmúrio brando.



Assim pensando fui ficando
porque a noite surgiu
brilhando em teus olhos
a clara noite nasceu
nasceu como folha de papel em branco
levada por ondas brancas d’areia…


Olhos teus… Olhos meus?


Pedrobala

terça-feira, fevereiro 22, 2011

“O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará.” – S. Paulo, Epístola aos Coríntios



A.môr

Amor
Devoção iluminada
afeto profundo
terno e caloroso
terra sagrada
minha realidade essencial
como aquele que foi iniciado
na filosofia do amor maior
pela sacerdotisa Diotima de Mantinea

Amor terreno, amor d’alma
os dois em simultâneo
porque ambos
contêm e compõe o conhecimento

 
Este amor que não é abstracto
este amor que não é sem forma
este amor que não é sem cor
sem tamanho ou textura
é por si só
o nosso sentimento inicial

 
Eis o triângulo amoroso:
na intimidade da nossa interioridade
na paixão correspondida
no compromisso altruísta


Esse estado de encantamento
da neurobiologia das correntes eléctricas
que percorrem o cérebro
libertando
dopamina e a sua euforia
adrenalina e a sua excitação
endorfina e a sensação de felicidade e bem estar

 
Esse estado impulsivo
sem inibição
fora do controlo racional
de intoxicação cerebral
que desafia
o desejo sensual e as saudades
e que incita à contemplação…
Amor o nosso sentimento inicial!


João Mariano / 22 de Fevereiro de 2011

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

No dia em que estamos
a memória antiga e implícita
lançou a sua lava!
Porém
tomamos consciência
do vulcãozinho que nos rodeia.

Não estou solidário
com a vossa dor
porque a sinto dentro de mim.
Guardo as lágrimas
num lenço branco
as lágrimas não são minhas
o lenço branco é.

João Mariano

terça-feira, fevereiro 01, 2011

Não é Elizabeth

Não é Elizabeth
como na língua inglesa
é Isabel
como no castelhano
ou Isabelle, dize o francês
Isabella, afirma o italiano
Não me fico
sou inquieto
porquê?

És tu
húngaro?
Não entendo
o polonês ou polaco?
Diz
Izabela

Isabel
horizonte meu
beijo teus pés longínquos
Mulher
da dor renascida
a flor em ti crescida
brota tal qual sabedoria
nas escassas laranjeiras
e ressacando nas vermelhas papoilas
que se alevantam
a Lua vagueando no nosso horizonte…
É a ti
Isabel, meu doce amor,
que consagro esta oferenda,
pequeno fio d’ água
passando ao longo
do rio do teu corpo…

Foi a Lua vagabunda do
            espaço
segredando contou-me:
não procures estrelas no
            céu
invoca Isabel
pois ela é a tua
            Estrela.

João Mariano