Temos uma esfera?
Temos ou não?
Temos uma esfera, … redonda?
Temos uma esfera?
Sim?
Temos?
O que é o circo dela?
O circo?
E o círculo?
Será o círculo dela
Ou o horizonte desta?
O ridículo?
E o circo?
O conteúdo daquela?
João Mariano
quinta-feira, dezembro 21, 2006
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Érica, minha filha, 8 de Março de 1996
Papá, sabias que as pessoas desconhecidas são nossas irmãs?
Porquê?
Porque, nascemos todos da mesma barriga.
Porquê?
Porque, nascemos todos da mesma barriga.
A propósito do filho-da-puta e do filho-de-puta
"Não adore outros deuses, Adore-me. Eu sou Javé, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egípto, da casa dos escravos. Não terás outros deuses em desafio ao Deus de Abraão."
Dize o aviso n.º 5421/2001, 2.ª Série do Diário da República n.º 82, de 6 de Abril de 2001: "concurso interno para provimento de um lugar de telefonista no quadro de pessoal do Tribunal da Comarca de Santiago do Cacém." E, acrescenta em tom sóbrio: "em cumprimento da al. h) do art. 9.º da Constituição da República Portuguesa, a Administração Pública, enquanto entidade empregadora, promove activamente uma política de oportunidades entre homens e mulheres no acesso ao emprego e na progressão profissional, providenciando escrupulosamente no sentido de evitar toda e qualquer forma de discriminação."
Por outro lado, e, no mesmo tom acrescenta (para além de outros tons) que o candidato/a deverá possuir a escolaridade mínima obrigatória, conforme o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.
Depois de muitas instruções, curvas e meta-curvas, o republicano aviso, junta em anexo, legislação para estudo: Decretos-Lei, Leis, os Dez Mandamentos, digo, Dez Princípios Éticos da Administração Pública, etc..
O aviso em estudo tem sintomas profundos de diarreia mental crónica, vejamos:
- Promove um artifício, excepto se a mulher for muda-surda-paraplégica;
- A escolaridade mínima, em conformidade com os deuses, vai até ao 9.º ano. Nessa escolaridade obrigatória não se estuda o Direito... (têm a disciplina de Educação Sexual?).
- Telefonista/o com conhecimentos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública, Direitos e Deveres na Função Pública e Deontologia Profissional? Mini-curso de Direito Administrativo? Quais são os direitos e deveres de uma telefonista privada, com deontologia? Em suma: quem é filho de quem? Os funcionários não devem reger-se segundo critérios de honestidade e integridade de carácter?
Procura-se, dentro de nós: soberania; dignidade humana; vontade popular; empenhamento na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (transformação numa sociedade sem classes).
Quem é filho-da-puta?
João Mariano
Dize o aviso n.º 5421/2001, 2.ª Série do Diário da República n.º 82, de 6 de Abril de 2001: "concurso interno para provimento de um lugar de telefonista no quadro de pessoal do Tribunal da Comarca de Santiago do Cacém." E, acrescenta em tom sóbrio: "em cumprimento da al. h) do art. 9.º da Constituição da República Portuguesa, a Administração Pública, enquanto entidade empregadora, promove activamente uma política de oportunidades entre homens e mulheres no acesso ao emprego e na progressão profissional, providenciando escrupulosamente no sentido de evitar toda e qualquer forma de discriminação."
Por outro lado, e, no mesmo tom acrescenta (para além de outros tons) que o candidato/a deverá possuir a escolaridade mínima obrigatória, conforme o disposto na al. c) do n.º 1 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.
Depois de muitas instruções, curvas e meta-curvas, o republicano aviso, junta em anexo, legislação para estudo: Decretos-Lei, Leis, os Dez Mandamentos, digo, Dez Princípios Éticos da Administração Pública, etc..
O aviso em estudo tem sintomas profundos de diarreia mental crónica, vejamos:
- Promove um artifício, excepto se a mulher for muda-surda-paraplégica;
- A escolaridade mínima, em conformidade com os deuses, vai até ao 9.º ano. Nessa escolaridade obrigatória não se estuda o Direito... (têm a disciplina de Educação Sexual?).
- Telefonista/o com conhecimentos do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública, Direitos e Deveres na Função Pública e Deontologia Profissional? Mini-curso de Direito Administrativo? Quais são os direitos e deveres de uma telefonista privada, com deontologia? Em suma: quem é filho de quem? Os funcionários não devem reger-se segundo critérios de honestidade e integridade de carácter?
Procura-se, dentro de nós: soberania; dignidade humana; vontade popular; empenhamento na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (transformação numa sociedade sem classes).
Quem é filho-da-puta?
João Mariano
quarta-feira, dezembro 06, 2006
Alcindo Monteiro
Alcindo Monteiro
Hoje o promontório de Sagres
mostrou a sua face
Hoje o usurpador regressou.
A lua ia alta no céu
tinha sabor amargo, a lua,
quando a pata do mostrengo
caiu sobre o corpo do Alcindo.
O Alcindo morreu.
Hoje o Alcindo partiu para longe
longe das patas deste premonitório
que há 500 anos vai sugando o sangue
e a gente vai ficando sem horizonte.
Irmão Alcindo Monteiro
quero em ti sentir
a tua mão
o teu rosto
tua mão pelo cimento crispada
teu rosto marcado como se condenado fosses.
A espada do gladiador
Nesta terra não descansou.
A força bruta e a iniquidade
Continuam existindo.
Eis a suprema tentação do usurpador:
- a supressão moral e física do outro! –
Essa sede de se elevar a si próprio às nuvens
E de aviltar o outro mais baixo do que a terra.
Hoje o promontório de Sagres
mostrou a sua face
Hoje o usurpador regressou.
A lua ia alta no céu
tinha sabor amargo, a lua,
quando a pata do mostrengo
caiu sobre o corpo do Alcindo.
O Alcindo morreu.
Hoje o Alcindo partiu para longe
longe das patas deste premonitório
que há 500 anos vai sugando o sangue
e a gente vai ficando sem horizonte.
Irmão Alcindo Monteiro
quero em ti sentir
a tua mão
o teu rosto
tua mão pelo cimento crispada
teu rosto marcado como se condenado fosses.
A espada do gladiador
Nesta terra não descansou.
A força bruta e a iniquidade
Continuam existindo.
Eis a suprema tentação do usurpador:
- a supressão moral e física do outro! –
Essa sede de se elevar a si próprio às nuvens
E de aviltar o outro mais baixo do que a terra.
Termo Sem Metro
Ela estava nua
como se fosse
a chama de uma vela.
Era noite sem estrela
e as brancas paredes do pátio
permaneciam mudas,
as mãos dela
andavam à toa
como quem procura
a claridade de uma noite sem lua.
Ela, numa vela,
viu a toalha velha
e deitou-se nas mudas rugas
do branco pátio
porque nua estava ela.
João Mariano
como se fosse
a chama de uma vela.
Era noite sem estrela
e as brancas paredes do pátio
permaneciam mudas,
as mãos dela
andavam à toa
como quem procura
a claridade de uma noite sem lua.
Ela, numa vela,
viu a toalha velha
e deitou-se nas mudas rugas
do branco pátio
porque nua estava ela.
João Mariano
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Veleiro
"... o veleiro arcaico, todos os veleiros arcaicos a que sempre temos confiado as nossas vidas e os bens de consumo com que procuramos subsistir, é, dentro do condicionamento caboverdiano, um elemento harmonioso, 'LÍRICO', e indispensável da nossa paissagem humana..." - Baltazar Lopes.
O Mestre e o Discípulo, Jornal Terra Nova, Abril 2002, p. 2, A. J. Fermino
"Os senhores vão passar as férias longe do Seminário. Evitem as más companhias, não se misturem com todos. Isto não é orgulho. Não lhes recomendo soberba, mas sempre ouvi dizer "quem a boa árvore se chega, boa sombra o cobre". Nunca fechem os livros, porque o homem moderno não pode ser como os rapazes da minha geração, que se contentavam passar de ano para ano. Leiam constantemente, organizem bibliotecas, façam conferências, escrevam livros..." - ´citação do Dr. Aurélio Gonçalves (Nhô Roque, como era conhecido) a propósito de Monsenhor António José de Oliveira Bouças (faleceu em 1943/1944), Professor e Sacerdode no Seminário-Liceu da Vila de Ribeira Brava, S. Nicolau, Caboverde.
sábado, novembro 25, 2006
Os desígnios repousam na vocação originária de ser ovelha perdida
As crianças morrem
Morrem crianças
Elas, as crianças, saíem de casa
caminhando em direcção à linha do horizonte
deixando o parque infantil em alvoroço
Entregam-se à natureza
- Os pombos esvoaçam no inútil parque infantil -
Pairam à solta
cativeiros de um mundo lunático
os desígnios repousam na vocação originária de ser ovelha perdida.
Nobre sabedoria do destino
Equilibrio necessário
a morte vai-se esquecendo nas colinas do horizonte.
Venham,
as flores anunciam
uma união natural que atravessa o bosque real
não se sabe a razão
mas diz-se que foi fuga do reino da poluição.
João Mariano
Morrem crianças
Elas, as crianças, saíem de casa
caminhando em direcção à linha do horizonte
deixando o parque infantil em alvoroço
Entregam-se à natureza
- Os pombos esvoaçam no inútil parque infantil -
Pairam à solta
cativeiros de um mundo lunático
os desígnios repousam na vocação originária de ser ovelha perdida.
Nobre sabedoria do destino
Equilibrio necessário
a morte vai-se esquecendo nas colinas do horizonte.
Venham,
as flores anunciam
uma união natural que atravessa o bosque real
não se sabe a razão
mas diz-se que foi fuga do reino da poluição.
João Mariano
Momento num Bar
I
- Eu creio em Deus. Ele, representa o radical. Aquilo que não se domina é uma constante procura.
- Seguindo o Cristo conhecemos Deus!
- Lógica conclusão: se através de Cristo conheço Deus, logo creio em a Maria.
- A Madalena? ou a Socorro?
- Mas, Deus permitiu que o Cristo morresse crucificado. Porquê? O Cristo não era um homem bom?
- Se conhecemos Deus, através de Cristo, significa que não conhecíamos Desus, aliás, Deus.
- Afinal, quem teremos de conhecer ou reconhecer?
- O amanhecer ou o crepúsculo?
II
Aquilo que não se domina
é uma constante procura.
Vou sozinho
e o símbolo
de pé
mantém-se.
Por mais iluminadas
que as ruas estejam
há um pouco de nós
a perguntar o que está certo.
Dois pasteis de bacalhau
e umas imperiais...
Não quero que te vás embora
Os bons companheiros dignificam a noite
- aquele sentimento em que nada dizemos e tudo acontece. -
João Mariano
- Eu creio em Deus. Ele, representa o radical. Aquilo que não se domina é uma constante procura.
- Seguindo o Cristo conhecemos Deus!
- Lógica conclusão: se através de Cristo conheço Deus, logo creio em a Maria.
- A Madalena? ou a Socorro?
- Mas, Deus permitiu que o Cristo morresse crucificado. Porquê? O Cristo não era um homem bom?
- Se conhecemos Deus, através de Cristo, significa que não conhecíamos Desus, aliás, Deus.
- Afinal, quem teremos de conhecer ou reconhecer?
- O amanhecer ou o crepúsculo?
II
Aquilo que não se domina
é uma constante procura.
Vou sozinho
e o símbolo
de pé
mantém-se.
Por mais iluminadas
que as ruas estejam
há um pouco de nós
a perguntar o que está certo.
Dois pasteis de bacalhau
e umas imperiais...
Não quero que te vás embora
Os bons companheiros dignificam a noite
- aquele sentimento em que nada dizemos e tudo acontece. -
João Mariano
Jorzinhe
Menino Jorzinhe,
É como muita sabura e felicidade que escrevo esta cartinha para você. Você ahoje faz anos, não é? Por isso, papai tomou um groguinho e mamãe fez um cuscus quente. É pena você não estar mais perto di nós, porque você também comia uma fatiga di cuscus.
Menino Jorzinhe, mamãe manda dizer que gosta muito de você, porque você tem prenda na cabeça.
Jorzinhe, não esqueça de pôr chapéu na cabeça. Quem não tem cabeça não põe chapéu.
Mantenhas para você.
João Mariano
É como muita sabura e felicidade que escrevo esta cartinha para você. Você ahoje faz anos, não é? Por isso, papai tomou um groguinho e mamãe fez um cuscus quente. É pena você não estar mais perto di nós, porque você também comia uma fatiga di cuscus.
Menino Jorzinhe, mamãe manda dizer que gosta muito de você, porque você tem prenda na cabeça.
Jorzinhe, não esqueça de pôr chapéu na cabeça. Quem não tem cabeça não põe chapéu.
Mantenhas para você.
João Mariano
Início
Neste dia acordei
cheio de pena de mim.
Tive de mim tanta pena
que nem de mim me lembrei.
O sol avançou no espaço azul
e a pena de mim se apoderou
ficou tão forte e distante
que o azul desapareceu
e o sol se espantou.
Agora, sentado
em meu banco
no meu quintal
debaixo da sombra da mangueira
que plantei
oiço as águas do poço.
Foi uma pedra que atirei.
Fim
João Mariano
cheio de pena de mim.
Tive de mim tanta pena
que nem de mim me lembrei.
O sol avançou no espaço azul
e a pena de mim se apoderou
ficou tão forte e distante
que o azul desapareceu
e o sol se espantou.
Agora, sentado
em meu banco
no meu quintal
debaixo da sombra da mangueira
que plantei
oiço as águas do poço.
Foi uma pedra que atirei.
Fim
João Mariano
"Palavra Sagrada" - Agostinho Neto
Longos e dolorosos anos
Mãe Negra sofreu
Hoje tem Akuá e Mantorras
Zé Kalanga e Mendonça
Angôla chegou
A Palanca fez qui-fô-quiô
O candengue jogou
Togo e seu penteado
Viva Angolê
Sonha Mamãe África.
João Mariano
Mãe Negra sofreu
Hoje tem Akuá e Mantorras
Zé Kalanga e Mendonça
Angôla chegou
A Palanca fez qui-fô-quiô
O candengue jogou
Togo e seu penteado
Viva Angolê
Sonha Mamãe África.
João Mariano
O eterno retorno
"Necessário vos é nascer de novo." - Jesus, o Cristo, filho de José, o operário - João, 3.7
Ana, a Baptista
Cansada do seu falecido marido
De tanto o amar
Dele não se quer lembrar.
A casa à beira-mar nascida
Longe dos fumos da cidade
Tornou-se lembrança
Pesada, todavia,
Como se idade não tivesse.
Hoje, Ana, não sabe ou não quer ninguém
Mas, se alguém não fosse
Como seu falecido e amado marido
De novo se enamorava?
João Mariano
Ana, a Baptista
Cansada do seu falecido marido
De tanto o amar
Dele não se quer lembrar.
A casa à beira-mar nascida
Longe dos fumos da cidade
Tornou-se lembrança
Pesada, todavia,
Como se idade não tivesse.
Hoje, Ana, não sabe ou não quer ninguém
Mas, se alguém não fosse
Como seu falecido e amado marido
De novo se enamorava?
João Mariano
Se um sol houvera em San Pedro de Sintra
Se um sol houvera em San Pedro de Sintra
Só em ti esse pretérito mais-que-perfeito-simples aconteceu.
Eis, o dialéctico sol ou o dilecto som
Ele, transporta em si
A cor e a dor
Das ilhas de S. Tomé e Prícipe
E das ilhas do Caboverde.
João Mariano
Só em ti esse pretérito mais-que-perfeito-simples aconteceu.
Eis, o dialéctico sol ou o dilecto som
Ele, transporta em si
A cor e a dor
Das ilhas de S. Tomé e Prícipe
E das ilhas do Caboverde.
João Mariano
quarta-feira, novembro 22, 2006
Outono
Foi
uma viagem de automóvel
ainda o dia ía descambando, sereno,
quando chegamos.
As folhas amarelas e verdes
outras
vermelhas
anunciavam a estação.
Gosto do Outono - ele disse.
Será, que ele transporta a melancolia
ou o anúncio da morte?
- perguntei -
De facto esta estação
transporta em si a finitude.
E o fim
Não será tão belo como o início?
João Mariano
uma viagem de automóvel
ainda o dia ía descambando, sereno,
quando chegamos.
As folhas amarelas e verdes
outras
vermelhas
anunciavam a estação.
Gosto do Outono - ele disse.
Será, que ele transporta a melancolia
ou o anúncio da morte?
- perguntei -
De facto esta estação
transporta em si a finitude.
E o fim
Não será tão belo como o início?
João Mariano
domingo, novembro 05, 2006
Sonho Místico
Foi a morte de um filho
que nunca nasceu.
Foi uma ida ao hospital
que nunca aconteceu.
E, em uma operação ao cérebro
que não foi executada
morreu um filho.
Levei-o pela mão
(como era enorme o corredor do hospital)
para uma praia rochosa
e em cada rocha de vermelho pintada
e no vermelho exangue floresciam pétalas de incenso.
Nas planas rochas,
Sentadas, as crianças ficavam
e assim ficando
como se budas fossem
sorriam para o sol
anunciando a noite que chegava.
JonhBenzina
que nunca nasceu.
Foi uma ida ao hospital
que nunca aconteceu.
E, em uma operação ao cérebro
que não foi executada
morreu um filho.
Levei-o pela mão
(como era enorme o corredor do hospital)
para uma praia rochosa
e em cada rocha de vermelho pintada
e no vermelho exangue floresciam pétalas de incenso.
Nas planas rochas,
Sentadas, as crianças ficavam
e assim ficando
como se budas fossem
sorriam para o sol
anunciando a noite que chegava.
JonhBenzina
Encontro
O Baile (ou encontro)
Toca a viola
Toca o tambor
Assim vai o baile.
Dança dali, come daqui.
Gentes alegres.
Última moda, roda última.
Vestidos de fim-de-semana,
Calças de início-de-semana.
Conceitos vários
unidos no salão nobre dos bombeiros.
Fim de série.
Descansar.
Ei! uma cerveja.
Toca a viola
Toca o tambor e recomeça a vida que não esquecemos.
A menina dança?
Danço!
Bailam alegres…
Janta comigo?
Tu
Tristeza linda
Enfeitiçada pela mão da bruxa
Não contes a ninguém,
Que te vi linda e pura
pura como águas cristalinas de um rio.
Não pares, corre…
Livre como o vento voa…
Livre como o mar ondula…
Segue o rumo da estrela brilhante
Não contes a ninguém
Que te vi linda e pura.
E assim vamos a correr pela planície coberta de flores de sabor a trigo.
Girámos à volta do trigo, com cheiro a papoila.
O sol brilha, as nuvens sorriem. O rio pulula entre as pedras. O melro canta a sua canção.
Como é bela a natureza.
Calamidade
O mar está calmo.
O céu está calmo?
O tempo está calmo.
Está tudo calmo?
Ele está calmo.
Tu estás calmo?
O peixe está calmo.
O vento está calmo.
Tudo está calmo.
Eu não tenho calma.
O olmo não está calmo.
A alma não está alma.
Fico sentado na cama
E sinto o vento vibrar
nas arestas da janela
Como se fosse dentro de mim.
Estou preocupado com o meu chinfrim.
De resto nada resta, nesta aresta do meu ser.
Coisas
Saíu o comboio das cinco.
Apanha-se o carro das cinco e cinco.
Ora, cinco e cinco faz dez,
dez noves fora um.
Quem é um?
A reunião de todos os números?
Uma banana será a banana?
Alegria de viver
sentindo o aroma
da flor silvestre.
Incomoda-me o barulho,
o barulho das máquinas,
o cheiro enjoa-me.
Como é bom ouvir o silêncio das árvores
O murmurar do rio,
A alegria das flores
O cantar melódico do pássaro…
e a angustia
a angustia penetrando como espada estafada.
JonhBenzina
Toca a viola
Toca o tambor
Assim vai o baile.
Dança dali, come daqui.
Gentes alegres.
Última moda, roda última.
Vestidos de fim-de-semana,
Calças de início-de-semana.
Conceitos vários
unidos no salão nobre dos bombeiros.
Fim de série.
Descansar.
Ei! uma cerveja.
Toca a viola
Toca o tambor e recomeça a vida que não esquecemos.
A menina dança?
Danço!
Bailam alegres…
Janta comigo?
Tu
Tristeza linda
Enfeitiçada pela mão da bruxa
Não contes a ninguém,
Que te vi linda e pura
pura como águas cristalinas de um rio.
Não pares, corre…
Livre como o vento voa…
Livre como o mar ondula…
Segue o rumo da estrela brilhante
Não contes a ninguém
Que te vi linda e pura.
E assim vamos a correr pela planície coberta de flores de sabor a trigo.
Girámos à volta do trigo, com cheiro a papoila.
O sol brilha, as nuvens sorriem. O rio pulula entre as pedras. O melro canta a sua canção.
Como é bela a natureza.
Calamidade
O mar está calmo.
O céu está calmo?
O tempo está calmo.
Está tudo calmo?
Ele está calmo.
Tu estás calmo?
O peixe está calmo.
O vento está calmo.
Tudo está calmo.
Eu não tenho calma.
O olmo não está calmo.
A alma não está alma.
Fico sentado na cama
E sinto o vento vibrar
nas arestas da janela
Como se fosse dentro de mim.
Estou preocupado com o meu chinfrim.
De resto nada resta, nesta aresta do meu ser.
Coisas
Saíu o comboio das cinco.
Apanha-se o carro das cinco e cinco.
Ora, cinco e cinco faz dez,
dez noves fora um.
Quem é um?
A reunião de todos os números?
Uma banana será a banana?
Alegria de viver
sentindo o aroma
da flor silvestre.
Incomoda-me o barulho,
o barulho das máquinas,
o cheiro enjoa-me.
Como é bom ouvir o silêncio das árvores
O murmurar do rio,
A alegria das flores
O cantar melódico do pássaro…
e a angustia
a angustia penetrando como espada estafada.
JonhBenzina
Não quero chorar
Homenagem a Anselmo Mariano
Ninguém me contou.
Mas eu sei.
O nosso primo ficou
pertinho do céu.
Ele é de trato fácil.
Elegante como a sombra da acácia.
O nosso primo
Partiu num veleiro,
Ele é Anselmo
e no silêncio
José regressou
ao mar das ilhas do cabo-verde.
João Mariano
Queluz, 18 de Março de 2005
Ninguém me contou.
Mas eu sei.
O nosso primo ficou
pertinho do céu.
Ele é de trato fácil.
Elegante como a sombra da acácia.
O nosso primo
Partiu num veleiro,
Ele é Anselmo
e no silêncio
José regressou
ao mar das ilhas do cabo-verde.
João Mariano
Queluz, 18 de Março de 2005
A Curva
Hoje tem Sintra
Amanhã tem Amadora
Depois Amadora-Sintra
Hospital é referência
Casa ping-pong
Teve desmaio
Diarreia só mental
E nos médicos
O vil metal não conta
Contou contos
Nem escudos, nem euros
Mas são vida
Nesta noite de mil
Amanhã tem Amadora
Depois Amadora-Sintra
Hospital é referência
Casa ping-pong
Teve desmaio
Diarreia só mental
E nos médicos
O vil metal não conta
Contou contos
Nem escudos, nem euros
Mas são vida
Nesta noite de mil
E agora meus amigos
Acenderam os cigarros?
Agora que a Primavera partiu
Não te esquecerei
Mesmo que chames por mim
Chorarei por ti num dia de chuva.
João Mariano
João Mariano
sábado, novembro 04, 2006
Olhos
O mundo não é maior
que a pupila dos meus olhos:
tem a grandeza
da tua inquietação e das tuas revoltas.
Hoje crispei as mãos à beira-mar
e tive saudades estranhas,
dos teus olhos, vivas opalas,
do teu ar de triunfo iluminado com que andas
de terras com bosques de névoa, rios de prata e montanhas de ouro.
Hoje crispei as mãos à beira-mar
e por meu cérebro vai passando,
tal como em seu apartamento,
uma gata de todo encantamento
e de inaudito miado brando.
E assim pensando fui ficando...
João Mariano
que a pupila dos meus olhos:
tem a grandeza
da tua inquietação e das tuas revoltas.
Hoje crispei as mãos à beira-mar
e tive saudades estranhas,
dos teus olhos, vivas opalas,
do teu ar de triunfo iluminado com que andas
de terras com bosques de névoa, rios de prata e montanhas de ouro.
Hoje crispei as mãos à beira-mar
e por meu cérebro vai passando,
tal como em seu apartamento,
uma gata de todo encantamento
e de inaudito miado brando.
E assim pensando fui ficando...
João Mariano
Viagem
“Hora di bai
Hora di dor
djam qrê
pa el ca manchê.” - Eugénio Tavares
I
Tinha sol na janela
quando Tio Dani
percorreu cada quarto da nossa casa
como se chão sagrado pisasse.
Ah! como suas lágrimas abraçaram o seu irmão..
Hoje
Tio Dani,
em silêncio
chorou,
concerteza
navegou entre as Ilhas
e entre elas
o encontro
o inevitável encontro aconteceu.
Em cada quarto
procurou o silêncio da família.
II
Tinha Dona Titia.
e tinha senhor Nicolau Gomes.
Senhor Nicolau Gomes é homem alto, magro, com cara espadaúda. Tem um falar sussurrado. É dono de um estabelecimento. Vende de tudo. Mandioca, farinha, tabaco, café.
Dona Titia é senhora para os seus oitenta e tal anos. Vive numa casa grande e velha. Velha por dentro, porque por fora está toda pintada de azul. Dona Titia é senhora antiga. Vive com os fantasmas do passado e a fotografia do marido na parede.
João Mariano
Hora di dor
djam qrê
pa el ca manchê.” - Eugénio Tavares
I
Tinha sol na janela
quando Tio Dani
percorreu cada quarto da nossa casa
como se chão sagrado pisasse.
Ah! como suas lágrimas abraçaram o seu irmão..
Hoje
Tio Dani,
em silêncio
chorou,
concerteza
navegou entre as Ilhas
e entre elas
o encontro
o inevitável encontro aconteceu.
Em cada quarto
procurou o silêncio da família.
II
Tinha Dona Titia.
e tinha senhor Nicolau Gomes.
Senhor Nicolau Gomes é homem alto, magro, com cara espadaúda. Tem um falar sussurrado. É dono de um estabelecimento. Vende de tudo. Mandioca, farinha, tabaco, café.
Dona Titia é senhora para os seus oitenta e tal anos. Vive numa casa grande e velha. Velha por dentro, porque por fora está toda pintada de azul. Dona Titia é senhora antiga. Vive com os fantasmas do passado e a fotografia do marido na parede.
João Mariano
sábado, outubro 28, 2006
Se a lua estendesse o seu véu
Se a lua
estendesse o seu véu
a noite e o silêncio acordavam.
Se fosse só a noite
o céu azul rodopiava
nas linhas traçadas pelo vento…
Todavia
prolongam-se as horas.
Colada a uma porta
anoitece Madalena
e o seu sorriso adormece
sem cantiga de embalar.
Se fosse só o silêncio
a noite renasceria
nas asas da cigarra.
Porém
os céus foram abandonados
e o luar um manto secreto
para um choro sentido.
Agora
Madalena
espera e desespera:
os deuses partiram como mendigos
à procura de novas invenções.
Afinal o mundo
é para ser despido
entregando-se a santidade da nudez
à feição fria de um afecto.
II
Não me interroguem
Não me interroguem
sobre a unidade da alma humana
Que unidade tem o átomo?
Resguardo a memória de ventos e marés
e permaneço atento à química dos meus pés.
Qual o sentido dinâmico da morte
se somos estranhos ao movimento dos astros?
Meta-morfose em plena luz do dia
Eis-me aqui
estranhamente em terras que luzem.
Diluído na noite,
porque há quem esteja pronto
para iludir-nos com as virtudes da civilização,
vagueio por entre ângulos rectos
e se não os transcendo
é porque tudo é certo e rectilíneo.
III
Morte numa tarde de Inverno
Filipe morreu
morreu
numa tarde de Inverno.
Em desespero Filipe viveu.
Pensamento inquieto
em desatento contratempo
lutando contra vento e mar.
Agora
diante do desespero da morte
choram a tua angústia:
esse estado de ser
diluto em noites de embriaguez
de onde nada se exala
para além de uma esperança perdida.
Filipe não morreu de morte morrida
Filipe enforcou-se com uma corda.
Morreu um homem!
Todos choram
o que poderiam ter feito por ti.
Já é tarde
e as lágrimas não comovem
o negro anjo.
Filipe acordou de um pesadelo
morreu para um sonho
e este tumultuoso Inverno vagamente vai passando.
IV
Lençóis brancos
Sobre as ondas do mar
sopram ventos
cantando melodias de outros tempos.
Sobre as ondas do mar
flutuam horizontes vindouros
em teus olhos nocturnos.
Na bruma da madrugada
voam lentamente lençóis brancos…
As marés partiram
as ondas do mar
vão ao teu encontro.
Quero em ti sentir
o teu reino
o caminho sereno
que transportas…
Sobraram janelas
fecharam-se portas
A flauta formou um arco-iris
Entra sereno o feiticeiro
o feiticeiro do fogo
Todos de pé ficaram
Será que o vilão escutará as ondas do mar?
Na bruma da madrugada
voam lentamente lençóis brancos…
João Mariano
estendesse o seu véu
a noite e o silêncio acordavam.
Se fosse só a noite
o céu azul rodopiava
nas linhas traçadas pelo vento…
Todavia
prolongam-se as horas.
Colada a uma porta
anoitece Madalena
e o seu sorriso adormece
sem cantiga de embalar.
Se fosse só o silêncio
a noite renasceria
nas asas da cigarra.
Porém
os céus foram abandonados
e o luar um manto secreto
para um choro sentido.
Agora
Madalena
espera e desespera:
os deuses partiram como mendigos
à procura de novas invenções.
Afinal o mundo
é para ser despido
entregando-se a santidade da nudez
à feição fria de um afecto.
II
Não me interroguem
Não me interroguem
sobre a unidade da alma humana
Que unidade tem o átomo?
Resguardo a memória de ventos e marés
e permaneço atento à química dos meus pés.
Qual o sentido dinâmico da morte
se somos estranhos ao movimento dos astros?
Meta-morfose em plena luz do dia
Eis-me aqui
estranhamente em terras que luzem.
Diluído na noite,
porque há quem esteja pronto
para iludir-nos com as virtudes da civilização,
vagueio por entre ângulos rectos
e se não os transcendo
é porque tudo é certo e rectilíneo.
III
Morte numa tarde de Inverno
Filipe morreu
morreu
numa tarde de Inverno.
Em desespero Filipe viveu.
Pensamento inquieto
em desatento contratempo
lutando contra vento e mar.
Agora
diante do desespero da morte
choram a tua angústia:
esse estado de ser
diluto em noites de embriaguez
de onde nada se exala
para além de uma esperança perdida.
Filipe não morreu de morte morrida
Filipe enforcou-se com uma corda.
Morreu um homem!
Todos choram
o que poderiam ter feito por ti.
Já é tarde
e as lágrimas não comovem
o negro anjo.
Filipe acordou de um pesadelo
morreu para um sonho
e este tumultuoso Inverno vagamente vai passando.
IV
Lençóis brancos
Sobre as ondas do mar
sopram ventos
cantando melodias de outros tempos.
Sobre as ondas do mar
flutuam horizontes vindouros
em teus olhos nocturnos.
Na bruma da madrugada
voam lentamente lençóis brancos…
As marés partiram
as ondas do mar
vão ao teu encontro.
Quero em ti sentir
o teu reino
o caminho sereno
que transportas…
Sobraram janelas
fecharam-se portas
A flauta formou um arco-iris
Entra sereno o feiticeiro
o feiticeiro do fogo
Todos de pé ficaram
Será que o vilão escutará as ondas do mar?
Na bruma da madrugada
voam lentamente lençóis brancos…
João Mariano
Casa Migas
Um abraço?
Não tenho condições de me locomover.
Não sou locomotiva!
Todavia,
estou no centro de Queluz oriental.
Três boas assoalhadas
2 quartos
2 varandas
cozinha remodelada.
Um parar em segunda mão.
Tenho a liberdade
de sem luz
viver em prateada cruz.
Trocalar móvel 914905908
fax noves fora.
Um abraço?
Um abraço?
Não tenho condições de me locomover.
Não sou locomotiva!
Todavia,
estou no centro de Queluz oriental.
Três boas assoalhadas
2 quartos
2 varandas
cozinha remodelada.
Um parar em segunda mão.
Tenho a liberdade
de sem luz
viver em prateada cruz.
Trocalar móvel 914905908
fax noves fora.
Um abraço?
Joao Mariano
Nada está perdido
I
Lua primitivaVerde e Azul
Azulada no sentimento
tatuada no tornozelo.
Nesta saliência óssea,
articulação do pé com a perna
canta novo ser
em madrugada renascida.
Abre as asas em flor
porque tu sorriste
e o céu se abriu.
Se os olhos ergo
da vista se me alcança a esperança
e o devaneio se perde
na divagação da minha consciência.
Tu sorriste
e o céu se abriu.
II
Nada está perdido
Se na raiz das palavras vigiadas
ressoa o velho rio…
Se nas grades se engravinha
a hera renovada
que havia à nossa porta
então nada está perdido.
Na hora intervalar
dos pombais da memória
revoadas de asas
palpitam no silêncio:
é o quintal da tia Anita
cheirando a madressilva
- minha alma parece abelha tonta –
é a velha avó Teodora
e os dois tostões que me dava
que dois tostões são um mundo
é o grande armário de parede
onde à tarde me escondia
a procurar velharias
em sensações de pirataria
é a varanda da Assunção
com seus ninhos de pardal sob as traves
- como eu era feliz Crusoé nessa Ilha –
Todavia, porém
Um grito rompe
Fogem as asas
e caio na cela.
Ah! este estranho sabor
a lama
a flores pisadas
este estranho sabor a passado agredido.
Nada está perdido
Se na raiz das palavras vigiadas
ressoa o velho rio…
Se nas grades se engravinha
a hera renovada
que havia à nossa porta
então nada está perdido.
Na hora intervalar
dos pombais da memória
revoadas de asas
palpitam no silêncio:
é o quintal da tia Anita
cheirando a madressilva
- minha alma parece abelha tonta –
é a velha avó Teodora
e os dois tostões que me dava
que dois tostões são um mundo
é o grande armário de parede
onde à tarde me escondia
a procurar velharias
em sensações de pirataria
é a varanda da Assunção
com seus ninhos de pardal sob as traves
- como eu era feliz Crusoé nessa Ilha –
Todavia, porém
Um grito rompe
Fogem as asas
e caio na cela.
Ah! este estranho sabor
a lama
a flores pisadas
este estranho sabor a passado agredido.
III
Acróstico para Míriam
Mar sereno na baía
Inquieta luz no olhar
Risonha vereda encantada.
Inefável brisa, em um
Amanhecer em trânsito.
Madrugada, zénite em alvoroço.
Canta estrela d’alvorada
Antes que o voou da andorinha
Te mostre, em breve brisa,
Incolor todavia, o
Acróstico para Míriam
Mar sereno na baía
Inquieta luz no olhar
Risonha vereda encantada.
Inefável brisa, em um
Amanhecer em trânsito.
Madrugada, zénite em alvoroço.
Canta estrela d’alvorada
Antes que o voou da andorinha
Te mostre, em breve brisa,
Incolor todavia, o
Alimento do meu desejo.
João Mariano
Pulvis de néon
Pulvis de néon
As lâmpadas de néon
iluminavam a rua.
As árvores não tinham folhas
estavam tristes e secas
- o vento chegou! –
Sentou-se num banco.
Tinha a cara coberta
por uma espessa barba
e na expressão o tom do cansaço.
Devorou a palidez da rua
meteu no bucho
dois nacos de pão duro
bebeu um trago de água-ardente
e guardou a garrafa no bolso do casaco.
Depois
levantou-se
e como quem carrega as estrelas do céu
partiu como se a vida estivesse dividida.
As lâmpadas de néon
iluminavam a rua.
As árvores não tinham folhas
estavam tristes e secas
- o vento chegou! –
Sentou-se num banco.
Tinha a cara coberta
por uma espessa barba
e na expressão o tom do cansaço.
Devorou a palidez da rua
meteu no bucho
dois nacos de pão duro
bebeu um trago de água-ardente
e guardou a garrafa no bolso do casaco.
Depois
levantou-se
e como quem carrega as estrelas do céu
partiu como se a vida estivesse dividida.
Silêncio Eléctrico
Sinto pairar a efemeridade do tempo
esta amnésia final na liberdade memorial.
Sinto o corpo diluir na maré vazante
levado por ondas brancas de areia
que invadem o meu corpo
na maresia eterna da madrugada.
Silêncio etéreo
etéreo silêncio em vagos pensamentos.
No enfarte da encruzilhada cintilam atónitos
muros de granito,
caminham mudos e descalços
nesta terra árida e frenética
os muros de árida gente.
João Mariano
Sinto pairar a efemeridade do tempo
esta amnésia final na liberdade memorial.
Sinto o corpo diluir na maré vazante
levado por ondas brancas de areia
que invadem o meu corpo
na maresia eterna da madrugada.
Silêncio etéreo
etéreo silêncio em vagos pensamentos.
No enfarte da encruzilhada cintilam atónitos
muros de granito,
caminham mudos e descalços
nesta terra árida e frenética
os muros de árida gente.
João Mariano
Existe Umbelina?
“Não nos banhamos duas vezes na água do mesmo rio"
Heraclito, filósofo grego
Existe umbelina?
Neblina tenho a certeza
de facto a certeza certa não
A natureza não é criadora?
Ou
seus desígnios repete?
Gosto de umbelina
Ou será
Umblina?
Porquê?
Perguntem ao acaso
O acaso não será
um caso metafísico?
Apenas Zeus faria o mesmo
em cisne se transformou
e
de uma das vezes que amou
teve dois pares de gémeos
algures numa triste e alegre madrugada
eram eles
Castor e Pólux
Helena e Clitemnestra
Será?
O que será passará.
No mar as ondas são vadias
não regressam
fecundam a rocha
e
em areia se transformam
Onde está Umbelina?
Escondida na névoa densa e rasteira
que uma parteira
num dia de chuva imperceptível criou.
João Mariano
Heraclito, filósofo grego
Existe umbelina?
Neblina tenho a certeza
de facto a certeza certa não
A natureza não é criadora?
Ou
seus desígnios repete?
Gosto de umbelina
Ou será
Umblina?
Porquê?
Perguntem ao acaso
O acaso não será
um caso metafísico?
Apenas Zeus faria o mesmo
em cisne se transformou
e
de uma das vezes que amou
teve dois pares de gémeos
algures numa triste e alegre madrugada
eram eles
Castor e Pólux
Helena e Clitemnestra
Será?
O que será passará.
No mar as ondas são vadias
não regressam
fecundam a rocha
e
em areia se transformam
Onde está Umbelina?
Escondida na névoa densa e rasteira
que uma parteira
num dia de chuva imperceptível criou.
João Mariano
Diálogo sobre a Pátria
Diálogo sobre a Pátria
- Que é a Pátria?
- A Pátria é o conjunto dos grupos dominantes fixados num território.
- Quando é que um soldado defende a Pátria?
-Quando defende os interesses dos grupos dominantes.
- Quando é que o soldado morre pela Pátria?
- Quando, em defesa dos interesses dos grupos dominantes, é assassinado por homens que defendem interesses de outra Pátria (isto é: de outros grupos dominantes).
- A pátria é una e indivisível?
- Não. Os grupos dominantes têm interesses concorrentes e contraditórios que provocam dissenções entre eles. Logo a Pátria é plural e divisível.
- Que aspectos revestem esses interesses concorrentes? Isto é: que aspectos reveste o comportamento da Pátria?
- Três fundamentalmente: quando os interesses dos grupos dominantes fixados num território dado entram em conflito com interesses de outros grupos dominantes fixados em território diferente, diz-se que a Pátria está em guerra com uma potência estrangeira; quando os grupos dominantes dum território dado celebram entre si acordos, expressos ou tácitos, com o fim de explorarem em comum interesses estranhos aos seus, diz-se que a Pátria progride e está em ordem; finalmente, quando os grupos dominantes num território dado deixam de respeitar os acordos celebrados, ou porque o fim que os uniu foi atingido, ou porque surge entre eles conflitos a Pátria perturba-se e essa perturbação pode ir desde julgamento e prisões até ao emprego da força armada. E, conforme os casos, fala-se em crimes contra a segurança do estado ou em guerra civil.
- Que é o Estado?
- Estado é um pseudónimo dos grupos dominantes.
- Um trabalhador é parte integrante da Pátria?
- Não. Um trabalhador, enquanto tal, nunca é parte integrante da Pátria. A Pátria é um conjunto de interesses nobres e dignos ou de indivíduos pelos quais nós temos o dever de morrer. Ora, até hoje, ninguém defendeu que se deva morrer por um trabalhador. Logo o trabalhador está fora da Pátria.
- Quais são os deveres do trabalhador?
- Deve ser zeloso, cumpridor e obediente.
- Quais os deveres da Pátria?
- A Pátria sendo um conjunto de grupos dominantes só tem deveres para com ela própria. E, como o trabalhador está fora da Pátria os grupos dominantes não têm deveres para com o trabalhador. O trabalhador é que se deve orgulhar do prestígio e dos triunfos dos grupos dominantes.
- E se não se orgulhar?
- Não é patriota.
- Não ser patriota é uma qualidade?
- Não; é um defeito.
- Os grupos dominantes têm o dever de ser patriotas?
- Não se põe o problema de patriotismo neste caso porque os grupos dominantes são, por definição, patriotas.
- Qual o papel da religião em relação à Pátria?
- Às vezes é um sinónimo de Pátria; mas geralmente é um meio de compensação posto pela Pátria ao serviço do trabalhador.
- Como se revela este meio de compensação?
- Prometendo ao trabalhador o gozo eterno depois da morte, se ele trabalhar com paciência e resignação. Por outras palavras: fazendo ver ao trabalhador que é difícil a um rico entrar no céu, porque os que sofrem são bem-aventurados e os que têm fome serão confortados.
- Isto não dará descrédito à pátria, isto é: aos grupos dominantes?
- Não, porque a religião também diz ao trabalhador que ele deve obediência à ordem estabelecida: dai a César o que é de César.
- Quem foi César?
- César foi o heterónimo de Pátria.
- Quais são os outros heterónimos de Pátria?
- Polícia Política; Governo; Assembleia ou Parlamento; Tribunal; etc.
- Como se escreve Pátria?
- Com “P” maiúsculo.
- E trabalhador?
- Com “t…” minúsculo.
FIM
GAMA, estudante caboverdiano em Lisboa, talvez nos idos de 1955?
- Que é a Pátria?
- A Pátria é o conjunto dos grupos dominantes fixados num território.
- Quando é que um soldado defende a Pátria?
-Quando defende os interesses dos grupos dominantes.
- Quando é que o soldado morre pela Pátria?
- Quando, em defesa dos interesses dos grupos dominantes, é assassinado por homens que defendem interesses de outra Pátria (isto é: de outros grupos dominantes).
- A pátria é una e indivisível?
- Não. Os grupos dominantes têm interesses concorrentes e contraditórios que provocam dissenções entre eles. Logo a Pátria é plural e divisível.
- Que aspectos revestem esses interesses concorrentes? Isto é: que aspectos reveste o comportamento da Pátria?
- Três fundamentalmente: quando os interesses dos grupos dominantes fixados num território dado entram em conflito com interesses de outros grupos dominantes fixados em território diferente, diz-se que a Pátria está em guerra com uma potência estrangeira; quando os grupos dominantes dum território dado celebram entre si acordos, expressos ou tácitos, com o fim de explorarem em comum interesses estranhos aos seus, diz-se que a Pátria progride e está em ordem; finalmente, quando os grupos dominantes num território dado deixam de respeitar os acordos celebrados, ou porque o fim que os uniu foi atingido, ou porque surge entre eles conflitos a Pátria perturba-se e essa perturbação pode ir desde julgamento e prisões até ao emprego da força armada. E, conforme os casos, fala-se em crimes contra a segurança do estado ou em guerra civil.
- Que é o Estado?
- Estado é um pseudónimo dos grupos dominantes.
- Um trabalhador é parte integrante da Pátria?
- Não. Um trabalhador, enquanto tal, nunca é parte integrante da Pátria. A Pátria é um conjunto de interesses nobres e dignos ou de indivíduos pelos quais nós temos o dever de morrer. Ora, até hoje, ninguém defendeu que se deva morrer por um trabalhador. Logo o trabalhador está fora da Pátria.
- Quais são os deveres do trabalhador?
- Deve ser zeloso, cumpridor e obediente.
- Quais os deveres da Pátria?
- A Pátria sendo um conjunto de grupos dominantes só tem deveres para com ela própria. E, como o trabalhador está fora da Pátria os grupos dominantes não têm deveres para com o trabalhador. O trabalhador é que se deve orgulhar do prestígio e dos triunfos dos grupos dominantes.
- E se não se orgulhar?
- Não é patriota.
- Não ser patriota é uma qualidade?
- Não; é um defeito.
- Os grupos dominantes têm o dever de ser patriotas?
- Não se põe o problema de patriotismo neste caso porque os grupos dominantes são, por definição, patriotas.
- Qual o papel da religião em relação à Pátria?
- Às vezes é um sinónimo de Pátria; mas geralmente é um meio de compensação posto pela Pátria ao serviço do trabalhador.
- Como se revela este meio de compensação?
- Prometendo ao trabalhador o gozo eterno depois da morte, se ele trabalhar com paciência e resignação. Por outras palavras: fazendo ver ao trabalhador que é difícil a um rico entrar no céu, porque os que sofrem são bem-aventurados e os que têm fome serão confortados.
- Isto não dará descrédito à pátria, isto é: aos grupos dominantes?
- Não, porque a religião também diz ao trabalhador que ele deve obediência à ordem estabelecida: dai a César o que é de César.
- Quem foi César?
- César foi o heterónimo de Pátria.
- Quais são os outros heterónimos de Pátria?
- Polícia Política; Governo; Assembleia ou Parlamento; Tribunal; etc.
- Como se escreve Pátria?
- Com “P” maiúsculo.
- E trabalhador?
- Com “t…” minúsculo.
FIM
GAMA, estudante caboverdiano em Lisboa, talvez nos idos de 1955?
Nascimento
Na horinha em que nasceste
transformou-se a natureza
- será árida rocha
ou planície florida ?-
Fiquei vendo
o nada de frente.
Era noite.
Clara noite
nos dias longínquos,
o dia em que nasceste.
Porém, minh’alma explodiu
de alegria tamanha.
No horizonte de todos os horizontes
chegaram poemas
que em flor se transformaram
como se em ti
o mundo se iniciasse.
transformou-se a natureza
- será árida rocha
ou planície florida ?-
Fiquei vendo
o nada de frente.
Era noite.
Clara noite
nos dias longínquos,
o dia em que nasceste.
Porém, minh’alma explodiu
de alegria tamanha.
No horizonte de todos os horizontes
chegaram poemas
que em flor se transformaram
como se em ti
o mundo se iniciasse.
João Mariano
Saudade do Futuro
Para o meu irmão Waldemar
“Isto”
“Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com imaginação.
Não uso o coração.” – Fernando Pessoa
Saudade do Futuro
I
A palavra saudade e o seu conteúdo são considerados sem par noutras línguas. Exprime uma misteriosa multiplicidade de sentimentos. Significa, por exemplo, melancolia causada pela lembrança de um bem do qual se está privado, ou, pesar pela ausência de alguém que nos é querido. Ou ainda, a lembrança da mulher amada do velho e antigo marinheiro quinhentista (“O Mar / dentro de nós todos / no canto da morna / no corpo das raparigas morenas / nas coxas ágeis das pretas / no desejo da viagem que fica / em sonhos de muita gente” – Poema do Mar, Jorge Barbosa, poeta caboverdeano do séc. XX).
A saudade vem do português arcaico – soedade, soidade ou suidades. No latim existe a palavra solitate. Aqui, solitate tem o sentido de saudar.
Por futuro entende-se o tempo que há-de vir. Esse tempo é abstracto, porque incerto e duvidoso; pode ou não acontecer.
II
Ora, quando se fala do futuro, forçosamente, teremos de falar do passado. Comummente ouve-se dizer: “não há futuro sem passado”. Por outro lado, associa-se a saudade com o passado. Como conciliar o tempo que há-de vir com o tempo que já foi? Dito de outra forma: será possível conciliar a saudade com o futuro?
III
Temos o seguinte: a) o passado como realidade concreta e certa; b) o futuro como uma percepção daquilo que pode ou não acontecer, isto é, uma realidade abstracta e incerta.
A percepção daquilo que pode ou não acontecer tem como fundamento uma realidade concreta e certa. Será possível ter a percepção do futuro sem lançarmos raízes e aprofundar o passado? O que ficaria se o tempo que já foi deixasse de o ser? O nada! Do nada, nada se retira, senão e tão-só o tudo. Não existiria apreensão de qualquer realidade concreta e certa. Como sabem, as raízes não se fixam no vazio, consequentemente nada teríamos de aprofundar. Se não houver passado, não haverá futuro. Em suma: não existiria nem apreensão, nem percepção. Onde ficaria a saudade?
E quem anseia pelo futuro? Pretendemos ou não ter a percepção do dia que há-de vir? Ora, quem anseia pelo dia que há-de vir, terá de se fixar no passado e aprofundá-lo, porque só assim o poderá percebê-lo como realidade concreta e certa, e, partir para uma realidade abstracta e incerta.
Escutem ou leiam o que dize Gabriel Mariano a propósito de Osvaldo Alcântara – O Caçador de Heranças ou Inquietação Social, p. 172/173, in Palavra Africana, Cultura Caboverdeana – Ensaios: “De aí que os náufragos, já sem comida, na jangada limitada e solitária, tenham seguido adiante, vivendo. Vivendo de quê? Da história do rapaz torpedeado: a história sempre jovem daquele que busca a liberdade própria e alheia. (…) ”Projectou-a, dialecticamente, nos caminhos do futuro. A jangada, inicialmente, andando à tona de água, para lado nenhum, adquiriu o seu próprio movimento e encetou a sua viagem ascensional (…). Quem segue adiante, vivendo, busca o espaço futuro e o tempo futuro.”
A percepção tal como a saudade tem um factor em comum: são sentimentos.
IV
Em jeito de conclusão:
Quanto mais o pensamento anseia pelo tempo que há-de vir, mais se arreiga e aprofunda no dia que já foi, logo tenho saudades do futuro.
Ou como dizia Guerra Junqueiro: “Morre o amor, vive a suidade / Morre o sol, olha o luar”.
Ou ainda, como diz Osvaldo Alcântara no poema “Mamãi:
Mamai-Terra
disseram-me que tu morreste
e foste sepultada numa mortalha de chuva.
O que eu chorei!
(…)
Não morreste, não, Mamãizinha?
Estás apenas adormecida
para amanhã te levantares.
Amanhã, quando saíres,
eu pegarei o balaio
e irei atrás de ti.”
Queluz, 25 de Fevereiro de 2005
João Mariano
“Isto”
“Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com imaginação.
Não uso o coração.” – Fernando Pessoa
Saudade do Futuro
I
A palavra saudade e o seu conteúdo são considerados sem par noutras línguas. Exprime uma misteriosa multiplicidade de sentimentos. Significa, por exemplo, melancolia causada pela lembrança de um bem do qual se está privado, ou, pesar pela ausência de alguém que nos é querido. Ou ainda, a lembrança da mulher amada do velho e antigo marinheiro quinhentista (“O Mar / dentro de nós todos / no canto da morna / no corpo das raparigas morenas / nas coxas ágeis das pretas / no desejo da viagem que fica / em sonhos de muita gente” – Poema do Mar, Jorge Barbosa, poeta caboverdeano do séc. XX).
A saudade vem do português arcaico – soedade, soidade ou suidades. No latim existe a palavra solitate. Aqui, solitate tem o sentido de saudar.
Por futuro entende-se o tempo que há-de vir. Esse tempo é abstracto, porque incerto e duvidoso; pode ou não acontecer.
II
Ora, quando se fala do futuro, forçosamente, teremos de falar do passado. Comummente ouve-se dizer: “não há futuro sem passado”. Por outro lado, associa-se a saudade com o passado. Como conciliar o tempo que há-de vir com o tempo que já foi? Dito de outra forma: será possível conciliar a saudade com o futuro?
III
Temos o seguinte: a) o passado como realidade concreta e certa; b) o futuro como uma percepção daquilo que pode ou não acontecer, isto é, uma realidade abstracta e incerta.
A percepção daquilo que pode ou não acontecer tem como fundamento uma realidade concreta e certa. Será possível ter a percepção do futuro sem lançarmos raízes e aprofundar o passado? O que ficaria se o tempo que já foi deixasse de o ser? O nada! Do nada, nada se retira, senão e tão-só o tudo. Não existiria apreensão de qualquer realidade concreta e certa. Como sabem, as raízes não se fixam no vazio, consequentemente nada teríamos de aprofundar. Se não houver passado, não haverá futuro. Em suma: não existiria nem apreensão, nem percepção. Onde ficaria a saudade?
E quem anseia pelo futuro? Pretendemos ou não ter a percepção do dia que há-de vir? Ora, quem anseia pelo dia que há-de vir, terá de se fixar no passado e aprofundá-lo, porque só assim o poderá percebê-lo como realidade concreta e certa, e, partir para uma realidade abstracta e incerta.
Escutem ou leiam o que dize Gabriel Mariano a propósito de Osvaldo Alcântara – O Caçador de Heranças ou Inquietação Social, p. 172/173, in Palavra Africana, Cultura Caboverdeana – Ensaios: “De aí que os náufragos, já sem comida, na jangada limitada e solitária, tenham seguido adiante, vivendo. Vivendo de quê? Da história do rapaz torpedeado: a história sempre jovem daquele que busca a liberdade própria e alheia. (…) ”Projectou-a, dialecticamente, nos caminhos do futuro. A jangada, inicialmente, andando à tona de água, para lado nenhum, adquiriu o seu próprio movimento e encetou a sua viagem ascensional (…). Quem segue adiante, vivendo, busca o espaço futuro e o tempo futuro.”
A percepção tal como a saudade tem um factor em comum: são sentimentos.
IV
Em jeito de conclusão:
Quanto mais o pensamento anseia pelo tempo que há-de vir, mais se arreiga e aprofunda no dia que já foi, logo tenho saudades do futuro.
Ou como dizia Guerra Junqueiro: “Morre o amor, vive a suidade / Morre o sol, olha o luar”.
Ou ainda, como diz Osvaldo Alcântara no poema “Mamãi:
Mamai-Terra
disseram-me que tu morreste
e foste sepultada numa mortalha de chuva.
O que eu chorei!
(…)
Não morreste, não, Mamãizinha?
Estás apenas adormecida
para amanhã te levantares.
Amanhã, quando saíres,
eu pegarei o balaio
e irei atrás de ti.”
Queluz, 25 de Fevereiro de 2005
João Mariano
Carícias d'água
Para Jana e Miguel
“Note di Mindelo ê sabe e silenciosa.”
Morna de B. Lèza
Ao final dos tempos apareceu Miguel,
O grande Príncipe que defende os filhos do povo.
E então Janaína, Princesa das Águas, de novo nasceu.
Houve uma grande batalha neste céu feito de amor.
Miguel e Janaína lutaram contra cantigas antigas,
Porque foi precipitada a grande serpente, a sedutora do mundo.
Janaína e Miguel, unindo-se num só corpo,
Enfrentaram e atacaram a infernal sedutora.
Por isso peço:
Unam as mãos
Para que hoje
Os Príncipes fiquem livres das ciladas e dos espíritos maléficos
E se percam em carícias d’água.
Queluz, 05 de Maio de 2006 (sexta-feira)
João Mariano, vulgo Jôn
“Note di Mindelo ê sabe e silenciosa.”
Morna de B. Lèza
Ao final dos tempos apareceu Miguel,
O grande Príncipe que defende os filhos do povo.
E então Janaína, Princesa das Águas, de novo nasceu.
Houve uma grande batalha neste céu feito de amor.
Miguel e Janaína lutaram contra cantigas antigas,
Porque foi precipitada a grande serpente, a sedutora do mundo.
Janaína e Miguel, unindo-se num só corpo,
Enfrentaram e atacaram a infernal sedutora.
Por isso peço:
Unam as mãos
Para que hoje
Os Príncipes fiquem livres das ciladas e dos espíritos maléficos
E se percam em carícias d’água.
Queluz, 05 de Maio de 2006 (sexta-feira)
João Mariano, vulgo Jôn
Casa vazia
Quem és, quando revejo o dia?
Serás aquela em que, por vezes,
oiço o cantar do rouxinol?
Se assim for, serei um riacho,
Que
Trespassa o lençol
Inexistente em nós.
João Mariano
Serás aquela em que, por vezes,
oiço o cantar do rouxinol?
Se assim for, serei um riacho,
Que
Trespassa o lençol
Inexistente em nós.
João Mariano
Jôn
Para João Gabriel, meu sobrinho
Era uma vez um Jôn. Jôn vinha de longe.
Ele, o Jôn, tinha o jota de Joaquim e o “ôn” de nhô Toninho.
Nesse dia, Jôn apanhou o comboio
e nessa linha transportou a mochila que trazia às costas.
Jôn estava feliz e contente.
Trazia consigo a alegria do regresso e os olhos rasos de água.
Jôn sabia, que a partida modifica as pessoas.
Elas ficam na linha do horizonte,
mas a presença delas permanecia dentro dele.
Jôn também trazia uma fotografia no bolso da camisa.
Era uma fotografia antiga.
Jôn pequenino dormia com a fotografia debaixo da almofada.
Nos dias de mais saudade mirava a fotografia
e olhando para as estrelas no céu pensava:
eles vêem as mesmas estrelas do que eu?
João Mariano
Era uma vez um Jôn. Jôn vinha de longe.
Ele, o Jôn, tinha o jota de Joaquim e o “ôn” de nhô Toninho.
Nesse dia, Jôn apanhou o comboio
e nessa linha transportou a mochila que trazia às costas.
Jôn estava feliz e contente.
Trazia consigo a alegria do regresso e os olhos rasos de água.
Jôn sabia, que a partida modifica as pessoas.
Elas ficam na linha do horizonte,
mas a presença delas permanecia dentro dele.
Jôn também trazia uma fotografia no bolso da camisa.
Era uma fotografia antiga.
Jôn pequenino dormia com a fotografia debaixo da almofada.
Nos dias de mais saudade mirava a fotografia
e olhando para as estrelas no céu pensava:
eles vêem as mesmas estrelas do que eu?
João Mariano
Desejo
Houve um tempo
que ela usava uma farda da república
e tinha cara séria
porém,
os lábios e o corpo de mulher despertaram.
Numa noite de lua cor de prata ela, nua, por causa do amor,
penetrou nas searas douradas
e assim sentindo o calor do astro maior
encostou suas cochas redondas nos braços de morpheu.
João Mariano
que ela usava uma farda da república
e tinha cara séria
porém,
os lábios e o corpo de mulher despertaram.
Numa noite de lua cor de prata ela, nua, por causa do amor,
penetrou nas searas douradas
e assim sentindo o calor do astro maior
encostou suas cochas redondas nos braços de morpheu.
João Mariano
Entrevista Dr. Gabriel Mariano efectuada pela Dr.ª Cátia Costa
PARA MIM, O MESTIÇO É QUE FOI O CRIADOR DA SOCIEDADE E DA CULTURA CABOVERDIANAS
Licenciado em direito e juíz, Gabriel Mariano notabilizou-se, também, como poeta, contista e ensaísta. O seu mérito foi reconhecido através da atribuição de vários prémios de criação literária, entre estes o último foi concedido em 1991 pela Fundação Marquês de Valle Flor. As suas obras foram traduzidas em várias línguas, como o francês, o italiano, o espanhol, o sueco e o russo. Nascido em 1928 e falecido em Fevereiro do ano passado continua a ser um dos intelectuais de referência na construção da identidade caboverdiana. Da nossa conversa, em Março de 2000, em redor do ensaio “Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou” revela-se uma das suas facetas menos divulgadas: a de estudioso da formação social de Cabo Verde.
O Despertar para a Cultura Caboverdiana
Eu – Quando é que despertou o seu interesse pelo mestiço?
GM – O interesse começa enquanto estudante do liceu, o facto de ser caboverdiano e de me comparar a outros africanos despertou este interesse, surge do olhar para o meu umbigo para descobrir a diferença, tendo o interesse aumentado.
Eu – O que o influenciou mais, os autores da época [anos 40 e 50 do século XX] ou a própria realidade?
GM – As duas coisas, tive influência da revista Claridade e dos Claridosos, embora esta não fosse uma revista sociológica inseria temas sociológicos e antropológicos, só li Casa Grande e Senzala, já adulto, cá em Portugal, tal como, o Mundo que o Português Criou, notei muitas semelhanças com Gilberto Freyre, só que ele esqueceu-se de uma coisa – faz os estudos sem separar as espaços: uma coisa é o estudo do comportamento no continente africano cujos resultados foram diferentes e nos outros sítios como é o caso de Cabo Verde, Brasil e São Tomé Príncipe. Gilberto Freyre não faz a distinção.
Eu - “O mundo que o português criou ou está em vias de criar” – Nos dias de hoje, no caso de Cabo Verde, é uma sociedade em que o mulato e o negro têm a sua participação assegurada, sentido-se parte e criadores da mesma, ou há uma cópia dos valores europeus?
GM – A epxeriência de Cabo Verde é muito sui generis. Para começar inexistem preconceitos, tanto se encontra uma criada de servir branca numa casa de patrão preto como vice versa, tanto encontra brancos pobres como pretos ricos. Até lhe vou contar um motivo de finaçon da Ilha de Santiago: Luca preto dinheiro branco, chave de ouro, colete de prata... trata-se de um provérbio em crioulo sobre um agricultor preto muito rico que era do povo; é sui generis. Espanta-me a cada passo que comparo Cabo Verde a outras áreas de colonização e Cabo Verde parece um milagre e tenho a ipressão que foi graças à proliferação da mestiçagem – muito abundante no arquipélago – em extensão e os mestiços puderam ascender economicamente. Um filho mulato de um pai rico, por via de regra, arranjava também o seu pecúlio, daí que na Ilha do Fogo houvesse uma ascensão fulgurante do mulato, aliás na maioria das ilhas tal aconteceu, até porque a maioria da população é mulata; essa maioria numérica e sociológica teve as suas influências no desaparecimento de arestas, do preconceito e de pré-juízos.
A Especificidade de Cabo Verde
Eu – Para perceber a especificidade de Cabo Verde, temos de entender a identificação do conceito estético com determinada raça ou da classe social com a cor da pele ou não?
GM – Não há disso em Cabo Verde, a classe social não se identifica com a cor da pele. Em casa de meus pais tínhamos uma empregada branca e outra empregada preta, e a empregada branca dizia que trabalhava em casa de branco, ou seja, uma pessoa de classe superior. É claro notam-se nesse acto de esforçar o étnico ou rácico no estrato social reflexos de uma possível discriminação racial, cabelo bom para cabelo do tipo europeu e cabelo ruim para cabelo do tipo africano, no fundo são reflexos de um tempo em que havia efectivamente essa discriminação.
Eu – Comparando os penteados de Cabo Verde e São Tomé Príncipe, verificamos que em Cabo Verde estica-se mais o cabelo, imitando o tipo europeu. Talvez, devido a uma maior miscegenação, o conceito estético de cabelo fosse o esticado, não?
GM – Há 2 tipos de penteado: Sotavento – Santiago e o Barlavento mais parecido com penteado europeu e o do Sotavento é mais próximo do africano.
Eu – Há o relato de um inglês que, em Cabo Verde, vê uma festa em que os escravos saem para uma manifestação de batuque e em que os patriarcas assistiam à reunião. Espelha ou não que o próprio escravo tem uma posição diferente da que tem, por exemplo, numa plantação, tem um grau introsamento social maior, facilitando a integração quando se dá o abolicionismo?
GM – Nunca pensei nisso, Cabo Verde, um país pequeno, com uma população negra e uma população branca entregues a si próprias e à pobreza da terra, quando havia crise de fome todos eram apanhados e tudo isso. Eu costumo dizer que a nossa pobreza é a nossa riqueza. Se Cabo Verde não fosse pobre eu seria o indígena da costa de África, o recurso, dada a pobreza, foi o ensino, o estudo. Na primeira metade do séc. XIX criaram-se imensas agremiações culturais, sociais, criou-se um liceu na Cidade da Praia, além do seminário (1869).
Eu – Cabo Verde é uma excepção à África, nomeadamente, à África de colonização portuguesa?
GM – É uma excepção completa, da cabeça aos pés, em Cabo Verde não há uma coisa que existe, por exemplo, em África e mesmo no Brasil: a discriminação do mulato. O mulato não gosta do preto e o preto não gosta do mulato, não se entendem, e notei isso em Angola e em Cabo Verde isso é impossível, pois o mulato é maioritário, sociológica e numericamente, mas no Brasil isso ainda existe.
Eu - Como vê o caso sãotomense?
GM – Entre em São Tomé e Príncipe e Cabo Verde há uma evolução parecida, até à década de 20 do século XIX do próprio nativo, depois deu-se a corrida às roças e parou a evolução paralela a Cabo Verde. Eu estive dois anos e meio em São Tomé e Príncipe, eu não notei grandes diferenças entre sãotomenses, tinha funcionários que falavam português e falavam a língua deles. Acho que São Tomé e Príncipe está mais próximo de uma nação do que Angola ou Moçambique ou Guiné.
Eu - Poderá o colonialismo criar uma cultura nova?
GM – Pode, desde que essa cultura seja mestiça que é o caso de Cabo Verde. O colonialismo em Cabo Verde criou uma cultura nova, a mestiça, com elementos portugueses e africanos. O Cabo Verde de hoje não é o Cabo Verde de 1460, com os grupos branco e preto que tinham a sua vida própria e não tinham a vida comum, uma língua comum. O factor da língua é, para mim, um factor muito importante, para mostrar a especificidade de Cabo Verde e a sua originalidade, é uma excepção em toda a regra. Mesmo em relação ao Brasil, Cabo Verde é mais homogéneo racicamente do que o Brasil.
Eu - Não era arriscado quando um intelectual contrariava a mentalidade em vigor, incluindo os grupos de libertação dos países que rejeitavam toda a herança colonial?
GM – Era arriscado, até por causa da polícia política – PIDE (em 1959), mas bem vistas as coisas, o meu ensaio [“Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou”] não minimiza a cultura portuguesa, o que houve foi a mistura, a mestiçagem, a miscigenação em todos os grupos sociais, padres, bispos, altos funcionários régios, todos tinham a sua amante preta.
Eu - Como acha que os defensores da negritude veriam uma afirmação deste tipo, perante todos os movimentos de valorização do negro e da raiz, bem como, os movimentos de libertação, apesar de estes estarem ligados ao movimento mulato?
GM – Vou citar-lhe um caso, em 1953/2, o Mário de Andrade e o Francisco Tenreiro publicaram uma antologia de poesia negra de expressão portuguesa e não incluíram os poetas caboverdianos, dando até uma explicação, a poesia de Cabo Verde era específica o que foi bem aceite, já numa segunda edição, ampliaram os critérios e incluem caboverdianos. Não senti nenhuma rejeição. Eu dizia de mim para mim: a negritude pretende valorizar aos símbolos e aos valores do homem africano, os caboverdianos tentavam valorizar a sua realidade o que acabava por ser compreendido.
Eu – O Dr. Gabriel Mariano atenta mais na liberdade de relacionamento, na falta de estruturas rígidas, no facto de existir mais iniciativa privada do que pública na gestão dos próprios relacionamentos, levando a uma maior fluidez de comportamentos... Enquanto Gilberto Freyre coloca o acento tónico no modo se ser dos portugueses, adaptando-se. Os portugueses tiveram a sorte de encontrar povos afáveis ou tudo foi um produto circunstancial, ou a identidade nacional do povo tem alguma coisa a ver com isto?
GM – Ia mais para os fenómenos circunstanciais. O ensaísta português António Sérgio diz que o que faltou ao português em Portugal foi a riqueza que encontrou no Brasil, o que permitiu criar o tal “mundinho”. A escassez de mulheres não foi um problema: a escravatura favoreceu os contactos sexuais entre escravos e portugueses; o português é um povo fortemente mestiçado, em que medida este fenómeno – porque mestiços são quase todos os povos –terá determinado a miscegenação nas colónias, ou não será apenas um produto de circunstância, a escravatura entregava a mulher negra nas mãos do branco, depois os próprios mulatos entre si também faziam filhos, eu creio que é mais um produto de circunstância, mestiço é o francês, é o inglês é o alemão, não há raças puras.
Eu - No séc. XV era comum ter escravos, o que vinha já das guerras santas, tinham-se escravos da mesma cor, apenas por serem perdedores. Não terá o factor de organização patriarcal, em grassa a escravatura, influenciado a própria aceitação desta?
GM – O Gilberto Freyre diz que em Portugal a Europa reina mas não governa, quem governa é a África... as influências sociais dos africanos – não se esqueça que o Marquês de Pombal era neto de escravos, a avó era negra – os fenómenos sociais são muito complexos e a estrutura patriarcal claro que foi levada pelos portugueses e teve a sua implantação em Cabo Verde.
Em Redor do Ensaio “Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou”
Eu - Considera que a miscegenação é uma preparação na formação de uma população homogénea ou é o único meio que poderia permitir esta formação social?
GM – Não sei se poderia ter existido outro factor ou fenómeno, o que eu sei é que sem a miscegenação não teríamos o Cabo Verde que temos hoje.
Eu - Barlavento e Sotavento têm situações diferenciadas no caso da promoção social do negro, tem a ver com o isolamento, com a distribuição da propriedade?
GM – No Sotavento há uma predominância do latifúndio, no Barlavento tem predominância do minifúndio, mas eu não sinto que haja qualquer diferenciação no comportamento das pessoas.
Eu – A sua lei sociológica que diz que a fluidez e o abrandamento de vínculos, abrindo ao afro-negro outras possibilidades de cooperação, facilitou e apressou a unidade temperamental, a estabilização de padrões de cultura, a «harmonização de antagonismos», mantê-la-ia [“Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou”]?
GM: Sim, manteria a lei.
Eu – Nas comunidades crioulas em Benguela, Luanda, Bolama, Zambézia (também de miscegenados), São Tomé e Príncipe, no entanto, exclui a possibilidade de o mulato auferir de uma mobilidade social semelhante à de Cabo Verde?
GM – Na altura em que escrevi o trabalho, não tinha grandes preparações em relação a outras situações que mão fossem em Cabo Verde, sabia vagamente que Luanda, Benguela eram parecidos com Cabo Verde, mas não conhecia ao fundo a realidade.
Eu – Também se surgiram sociedades crioulas noutras áreas geográficas...
GM – Na Índia, na Malásia, em Macau e há uma corrente linguística, segundo a qual os crioulos na África Ocidental de África, nas Antilhas na Ásia são de origem caboverdiana, são originários de um proto-crioulo de Cabo Verde. Eu tive uma visita de um professor de Curaçao e eu propus uma experiência, falarmos em crioulo e entendemo-nos, ele falava crioulo parecido com o de Santiago e eu falava um crioulo parecido com o do Barlavento e entendemo-nos.
Eu – Na herança biológica predomina o homem africano, mas os valores eram europeus?
GM – Mesmo os escravos aprendiam português em simultâneo com a doutrina católica o que os europeizava.
Eu - A herança biológica acaba por não determinar que a influência portuguesa seja menor que a africana?
GM – Pois não, eu desconfio muito das heranças biológicas, eu vou mais pelas heranças sociais.
Eu - Como vê a transmissão de valores da classe senhorial e da classe escrava?
GM – O responsável é a mestiçagem, a mestiçagem é o contacto, o acto sexual é contacto e isso é que gera a transmissão dos valores.
Eu - Como vê a religião na transmissão dos valores comportamentais e na formação da nacionalidade?
GM – Eu vejo a religião como o seminário e o liceu (séc. XVIII), não leccionavam apenas disciplinas religiosas, leccionavam matemática, inglês e filosofica, havia os que queriam deguir a carreira eclesiástica e outros iam para o funcionalismo público, o seminário é que é o grande alforbe das circunstâncias de ter havido uma transferência de poderes do branco para o caboverdiano, porque o funcionalismo, em Cabo Verde, desde que me conheço é preenchido pelos caboverdianos, o comércio está na mão dos caboverdianos, a terra está nas mãos de caboverdianos, um ou outro português sem significado de maior. A religião católica teve uma grande influência, graças ao seminário, pois no seminário é que se aprendia, o meu pai sabia latim que aprendeu no seminário e os padres misturavam-se com a população e faziam filhos... o padre em Cabo Verde foi um grande criador de filhos, ninguém se escandalizava, até há um ditado na Ilha de Santiago, padre é no altar, fora do altar é como outro homem qualquer.
Eu - A absorção à chegada do nativo africano é fruto da desagregação dos laços tradicionais das pessoas que chegam, o que terá alguma influência na catequização e no estabelecimento de novos comportamentos.
Nos outros países cada etnia tem uma nação e em Cabo Verde tal não acontece...
Em Cabo Verde isso não acontece, existe uma nação anterior à própria independência...a ideia de independência é fruto dessa nacionalidade ou será fruto de movimentos externos?
GM - No meu tempo de estudante de liceu, eu e os meus colegas discutíamos Cabo Verde. Havia quem dissesse que Cabo Verde não era África, tinha a sua própria nacionalidade, eu defendia que Cabo Verde tinha a sua própria personalidade e muitos defendiam isso. Nós sentíamos que éramos diferentes e essa sensação de diferença vai um passo muito curto para a independência... basta eu me sentir diferente de você para eu me afastar em termos de poder. Cabo Verde foi sempre um país de quadros, Cabo Verde não exportava só trabalhadores para São Tomé e Príncipe, exportava quadros administrativos para toda a África.
A Contestação ao Regime e ao Legado Coloniais
Eu – Esteve ligado aos movimentos ou Casa de Estudantes do Império?
GM – Eu frequentava a Casa dos Estudantes do Império, onde conheci o Cineti e outros líderes, nós discutíamos muita política na Casa de Estudantes do Império, havia a secção dos angolanos, a secção dos moçambicanos, a secção dos guineenses e a secção dos caboverdianos e todos defendiam a sua própria personalidade.
Eu – Proliferavam as ideias unificadoras em termos de pensamento ou as posições extremistas?
GM – Todos queríamos a independência...
Eu - E em relação à herança colonizadora, todos sentiam o mesmo?
GM – Havia algum holigarismo, o que era natural, estávamos numa fase de luta, tudo o que fosse herança do colonizador era para deitar a baixo. Eu recordo-me que estava a fazer uma palestra na Casa de Estudantes do Império e quando acabei, um português estava a assistir, levantou-se e propôs viva Portugal e ninguém respondeu ao viva Portugal e a sala estava cheia de gente.
Gilberto Freyre, Cabo Verde, o Crioulo e a Lusofonia
Eu – Quais são suas divergências com Freyre?
GM - Enquanto para mim o mestiço é que foi o criador da sociedade e da cultura caboverdianas, no Brasil foi mais o português o mestre da sociedade brasileira.
Eu - Freyre fez um corpo teórico a partir do espaço tropical e esse será o seu maior valor, concorda?
GM – O grande valor dele está principalmente na Casa Grande e Senzala, isso é que é uma obra capital. Apesar de eu não alinhar muito com o Gilberto Freyre quanto ao mundo que o português criou porque este mundo que o português teria criado não fornecia igualdade de oportunidades aos seus habitantes, ao branco, ao preto e ao mulato. É um mundo de desigualdade. Em Cabo Verde é o mestiço que cria esse novo mundo, no Brasil só conheço o Nordeste de que falo, mas atendendo ao facto que ainda hoje há preconceitos rácicos no Brasil...
Eu - Casa Grande e Senzala foi escrita nos anos 30 e...
GM – Em Cabo Verde, vou citar-lhe uma frase do Baltasar Lopes “Foi um alumbramento”, a Casa Grande e Senzala e as teses do GF, a ressalva que eu faço é sobre aquele mundo que o português teria ou não criado.
Eu - Mas Gilberto Freyre, quando vai a Cabo Verde não vai preparado para aquela realidade...
GM – Mas devia ir...
Eu - Uma das críticas que Gilberto Freyre faz é ...
GM – O crioulo... um cientista não pode tomar essa atitude perante a matéria que observa.
Eu - Não tem nenhuma reminisciência da visita que ele faz a Cabo Verde e daquilo que provoca?
GM – Provocou uma resposta de Baltasar Lopes, em que ele põe os pingos nos iis, refere-se inclusive a essa história do crioulo.
Eu - Ele parte do pressuposto que todos os locais onde os portugueses estiveram são idênticos...
GM - Mas isso vai em contradição com a teoria dele, pois é natural que esse mundo criado não seja uma fotocópia de Portugal. Por conseguinte o crioulo é uma criação, também, do Luso-tropicalismo.
Eu - O crioulo é tornar seu uma herança dupla, é uma das minhas dificuldades em trabalhar Freyre é o facto de ele não aceitar o crioulo...
GM – Também eu tenho esse problema... Gilberto Freyre era admiradíssimo em Cabo Verde, era um messias, como nós dizíamos, antes de escrever o livro Aventura e Rotina.
Eu – Houve a utilização ideológica da obra de Freyre pelo regime salazarista?
GM – E foi... o mundo que o português criou, o livro, do Gilberto Freyre é uma coisa boa, se fosse verdade, mas eu não posso conceber como coisa boa uma Angola tal como eu a conheci, Moçambique, São Tomé e Príncipe e como a política colonial portuguesa oficial era transformar o indígena num português, isto dito pelo Marcelo Caetano, serviram-se do Mundo que o Português Criou para provar que o colonialismo português era diferente dos outros e que era algo perfeito, Salazar e os seus capangas é que politizaram e exploraram politicamente o luso-tropicalismo.
Eu - Anos 30 e 40 do século XX, são as datas das obras referidas, mas hoje persiste uma maior preocupação com a utilização ideológica do que com a teoria... a teoria deve ser vista com um olhar ideológico ou deve ser despida do mesmo?
GM – Há aspectos que me parecem válidos, como os contactos, a miscegenação, a valorização do negro no Brasil... na realidade, o colonialismo português é diferente dos outros colonialismos, mas só no aspecto que eu frisei há bocado, na atitude que o colono português assume perante o mulato e o negro, enquanto para o inglês o mulato é o filho do demónio e do pecado, para o português não... há vários casos de portugueses que têm filhos com negras e trazem os filhos para Portugal, dão-lhes educação, um inglês não faria uma coisa dessas.
Eu - Pergunto-me se a lusofonia não será uma reedição do luso-tropicalismo?
GM – Quem sabe... agora é que há possibilidade de criar o mundo português nos trópicos, agora que há liberdade para todos que os contactos são maiores e mais intensos, agora sim pode-se criar e está-se a caminhar neste sentido. A lusofonia é como você diz...
Eu - A viragem para União Europeia e a ideia que os povos africanos são estáticos é perniciosa para este mundo em criação?
GM – Eu suponho que depende da política prática de cada país... Angola por exemplo ou Moçambique serão levados a criar uma política de aproximação com os países da África Austral, mas os países poderão enveredar pela aproximação e a comunicação entre os povos permite que isso aconteça.
Eu - Voltando ao mulato... é um elemento presente em todos os territórios de presença portuguesa, teve um papel em todos os casos?
GM – Ele teve um papel, mas foi mais limitado, nunca atingiu as proporções de Cabo Verde e esse papel deveu-se ao facto de os pais brancos reconhecerem os seus filhos mestiços.
Em jeito de conclusão...
Eu - Hoje em dia os estados independentes que tiveram colonização portuguesa ainda rejeitam a aproximação luso-tropical?
GM – Isto deve-se a terem de negar a herança colonial para justificarem as independências. A guerra colonial aumentou esse fosso e essa necessidade de negação. A negação tem um carácter mais político do que sociológico.
Eu - A união de Cabo Verde à Guiné-Bissau, proposta na década de sessenta, seria uma tentativa de africanização do arquipélago?
GM – Não vou por esse lado... Amílcar Cabral tinha nascido em Cabo Verde, foi criado em Cabo Verde, conhecia Cabo Verde e a Guiné, sabia que precisava dos quadros caboverdianos e que o arquipélago lhe podia dar isso, porque os caboverdianos sentiam-se diferentes dos guineenses, havia até um certo desentendimento, mas a conjuntura permite a esta aproximação... no entanto a realidade fala por si. A unidade de facto nunca esteve na mente dos caboverdianos, esteve sim no sentir daqueles que lutaram ao lado de Cabral que viviam na Guiné, mas não dos outros.
Eu - Cabo Verde é hoje um exemplo de um especial modo de estar no mundo português ou o caboverdiano é que tem uma forma diferente e especial de ser face aos restantes povos?
GM – É a segunda, sem dúvida que é o povo caboverdiano que se auto-criou.
PARA MIM, O MESTIÇO É QUE FOI O CRIADOR DA SOCIEDADE E DA CULTURA CABOVERDIANAS
Licenciado em direito e juíz, Gabriel Mariano notabilizou-se, também, como poeta, contista e ensaísta. O seu mérito foi reconhecido através da atribuição de vários prémios de criação literária, entre estes o último foi concedido em 1991 pela Fundação Marquês de Valle Flor. As suas obras foram traduzidas em várias línguas, como o francês, o italiano, o espanhol, o sueco e o russo. Nascido em 1928 e falecido em Fevereiro do ano passado continua a ser um dos intelectuais de referência na construção da identidade caboverdiana. Da nossa conversa, em Março de 2000, em redor do ensaio “Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou” revela-se uma das suas facetas menos divulgadas: a de estudioso da formação social de Cabo Verde.
O Despertar para a Cultura Caboverdiana
Eu – Quando é que despertou o seu interesse pelo mestiço?
GM – O interesse começa enquanto estudante do liceu, o facto de ser caboverdiano e de me comparar a outros africanos despertou este interesse, surge do olhar para o meu umbigo para descobrir a diferença, tendo o interesse aumentado.
Eu – O que o influenciou mais, os autores da época [anos 40 e 50 do século XX] ou a própria realidade?
GM – As duas coisas, tive influência da revista Claridade e dos Claridosos, embora esta não fosse uma revista sociológica inseria temas sociológicos e antropológicos, só li Casa Grande e Senzala, já adulto, cá em Portugal, tal como, o Mundo que o Português Criou, notei muitas semelhanças com Gilberto Freyre, só que ele esqueceu-se de uma coisa – faz os estudos sem separar as espaços: uma coisa é o estudo do comportamento no continente africano cujos resultados foram diferentes e nos outros sítios como é o caso de Cabo Verde, Brasil e São Tomé Príncipe. Gilberto Freyre não faz a distinção.
Eu - “O mundo que o português criou ou está em vias de criar” – Nos dias de hoje, no caso de Cabo Verde, é uma sociedade em que o mulato e o negro têm a sua participação assegurada, sentido-se parte e criadores da mesma, ou há uma cópia dos valores europeus?
GM – A epxeriência de Cabo Verde é muito sui generis. Para começar inexistem preconceitos, tanto se encontra uma criada de servir branca numa casa de patrão preto como vice versa, tanto encontra brancos pobres como pretos ricos. Até lhe vou contar um motivo de finaçon da Ilha de Santiago: Luca preto dinheiro branco, chave de ouro, colete de prata... trata-se de um provérbio em crioulo sobre um agricultor preto muito rico que era do povo; é sui generis. Espanta-me a cada passo que comparo Cabo Verde a outras áreas de colonização e Cabo Verde parece um milagre e tenho a ipressão que foi graças à proliferação da mestiçagem – muito abundante no arquipélago – em extensão e os mestiços puderam ascender economicamente. Um filho mulato de um pai rico, por via de regra, arranjava também o seu pecúlio, daí que na Ilha do Fogo houvesse uma ascensão fulgurante do mulato, aliás na maioria das ilhas tal aconteceu, até porque a maioria da população é mulata; essa maioria numérica e sociológica teve as suas influências no desaparecimento de arestas, do preconceito e de pré-juízos.
A Especificidade de Cabo Verde
Eu – Para perceber a especificidade de Cabo Verde, temos de entender a identificação do conceito estético com determinada raça ou da classe social com a cor da pele ou não?
GM – Não há disso em Cabo Verde, a classe social não se identifica com a cor da pele. Em casa de meus pais tínhamos uma empregada branca e outra empregada preta, e a empregada branca dizia que trabalhava em casa de branco, ou seja, uma pessoa de classe superior. É claro notam-se nesse acto de esforçar o étnico ou rácico no estrato social reflexos de uma possível discriminação racial, cabelo bom para cabelo do tipo europeu e cabelo ruim para cabelo do tipo africano, no fundo são reflexos de um tempo em que havia efectivamente essa discriminação.
Eu – Comparando os penteados de Cabo Verde e São Tomé Príncipe, verificamos que em Cabo Verde estica-se mais o cabelo, imitando o tipo europeu. Talvez, devido a uma maior miscegenação, o conceito estético de cabelo fosse o esticado, não?
GM – Há 2 tipos de penteado: Sotavento – Santiago e o Barlavento mais parecido com penteado europeu e o do Sotavento é mais próximo do africano.
Eu – Há o relato de um inglês que, em Cabo Verde, vê uma festa em que os escravos saem para uma manifestação de batuque e em que os patriarcas assistiam à reunião. Espelha ou não que o próprio escravo tem uma posição diferente da que tem, por exemplo, numa plantação, tem um grau introsamento social maior, facilitando a integração quando se dá o abolicionismo?
GM – Nunca pensei nisso, Cabo Verde, um país pequeno, com uma população negra e uma população branca entregues a si próprias e à pobreza da terra, quando havia crise de fome todos eram apanhados e tudo isso. Eu costumo dizer que a nossa pobreza é a nossa riqueza. Se Cabo Verde não fosse pobre eu seria o indígena da costa de África, o recurso, dada a pobreza, foi o ensino, o estudo. Na primeira metade do séc. XIX criaram-se imensas agremiações culturais, sociais, criou-se um liceu na Cidade da Praia, além do seminário (1869).
Eu – Cabo Verde é uma excepção à África, nomeadamente, à África de colonização portuguesa?
GM – É uma excepção completa, da cabeça aos pés, em Cabo Verde não há uma coisa que existe, por exemplo, em África e mesmo no Brasil: a discriminação do mulato. O mulato não gosta do preto e o preto não gosta do mulato, não se entendem, e notei isso em Angola e em Cabo Verde isso é impossível, pois o mulato é maioritário, sociológica e numericamente, mas no Brasil isso ainda existe.
Eu - Como vê o caso sãotomense?
GM – Entre em São Tomé e Príncipe e Cabo Verde há uma evolução parecida, até à década de 20 do século XIX do próprio nativo, depois deu-se a corrida às roças e parou a evolução paralela a Cabo Verde. Eu estive dois anos e meio em São Tomé e Príncipe, eu não notei grandes diferenças entre sãotomenses, tinha funcionários que falavam português e falavam a língua deles. Acho que São Tomé e Príncipe está mais próximo de uma nação do que Angola ou Moçambique ou Guiné.
Eu - Poderá o colonialismo criar uma cultura nova?
GM – Pode, desde que essa cultura seja mestiça que é o caso de Cabo Verde. O colonialismo em Cabo Verde criou uma cultura nova, a mestiça, com elementos portugueses e africanos. O Cabo Verde de hoje não é o Cabo Verde de 1460, com os grupos branco e preto que tinham a sua vida própria e não tinham a vida comum, uma língua comum. O factor da língua é, para mim, um factor muito importante, para mostrar a especificidade de Cabo Verde e a sua originalidade, é uma excepção em toda a regra. Mesmo em relação ao Brasil, Cabo Verde é mais homogéneo racicamente do que o Brasil.
Eu - Não era arriscado quando um intelectual contrariava a mentalidade em vigor, incluindo os grupos de libertação dos países que rejeitavam toda a herança colonial?
GM – Era arriscado, até por causa da polícia política – PIDE (em 1959), mas bem vistas as coisas, o meu ensaio [“Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou”] não minimiza a cultura portuguesa, o que houve foi a mistura, a mestiçagem, a miscigenação em todos os grupos sociais, padres, bispos, altos funcionários régios, todos tinham a sua amante preta.
Eu - Como acha que os defensores da negritude veriam uma afirmação deste tipo, perante todos os movimentos de valorização do negro e da raiz, bem como, os movimentos de libertação, apesar de estes estarem ligados ao movimento mulato?
GM – Vou citar-lhe um caso, em 1953/2, o Mário de Andrade e o Francisco Tenreiro publicaram uma antologia de poesia negra de expressão portuguesa e não incluíram os poetas caboverdianos, dando até uma explicação, a poesia de Cabo Verde era específica o que foi bem aceite, já numa segunda edição, ampliaram os critérios e incluem caboverdianos. Não senti nenhuma rejeição. Eu dizia de mim para mim: a negritude pretende valorizar aos símbolos e aos valores do homem africano, os caboverdianos tentavam valorizar a sua realidade o que acabava por ser compreendido.
Eu – O Dr. Gabriel Mariano atenta mais na liberdade de relacionamento, na falta de estruturas rígidas, no facto de existir mais iniciativa privada do que pública na gestão dos próprios relacionamentos, levando a uma maior fluidez de comportamentos... Enquanto Gilberto Freyre coloca o acento tónico no modo se ser dos portugueses, adaptando-se. Os portugueses tiveram a sorte de encontrar povos afáveis ou tudo foi um produto circunstancial, ou a identidade nacional do povo tem alguma coisa a ver com isto?
GM – Ia mais para os fenómenos circunstanciais. O ensaísta português António Sérgio diz que o que faltou ao português em Portugal foi a riqueza que encontrou no Brasil, o que permitiu criar o tal “mundinho”. A escassez de mulheres não foi um problema: a escravatura favoreceu os contactos sexuais entre escravos e portugueses; o português é um povo fortemente mestiçado, em que medida este fenómeno – porque mestiços são quase todos os povos –terá determinado a miscegenação nas colónias, ou não será apenas um produto de circunstância, a escravatura entregava a mulher negra nas mãos do branco, depois os próprios mulatos entre si também faziam filhos, eu creio que é mais um produto de circunstância, mestiço é o francês, é o inglês é o alemão, não há raças puras.
Eu - No séc. XV era comum ter escravos, o que vinha já das guerras santas, tinham-se escravos da mesma cor, apenas por serem perdedores. Não terá o factor de organização patriarcal, em grassa a escravatura, influenciado a própria aceitação desta?
GM – O Gilberto Freyre diz que em Portugal a Europa reina mas não governa, quem governa é a África... as influências sociais dos africanos – não se esqueça que o Marquês de Pombal era neto de escravos, a avó era negra – os fenómenos sociais são muito complexos e a estrutura patriarcal claro que foi levada pelos portugueses e teve a sua implantação em Cabo Verde.
Em Redor do Ensaio “Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou”
Eu - Considera que a miscegenação é uma preparação na formação de uma população homogénea ou é o único meio que poderia permitir esta formação social?
GM – Não sei se poderia ter existido outro factor ou fenómeno, o que eu sei é que sem a miscegenação não teríamos o Cabo Verde que temos hoje.
Eu - Barlavento e Sotavento têm situações diferenciadas no caso da promoção social do negro, tem a ver com o isolamento, com a distribuição da propriedade?
GM – No Sotavento há uma predominância do latifúndio, no Barlavento tem predominância do minifúndio, mas eu não sinto que haja qualquer diferenciação no comportamento das pessoas.
Eu – A sua lei sociológica que diz que a fluidez e o abrandamento de vínculos, abrindo ao afro-negro outras possibilidades de cooperação, facilitou e apressou a unidade temperamental, a estabilização de padrões de cultura, a «harmonização de antagonismos», mantê-la-ia [“Do Funco ao Sobrado ou o «Mundo» que o Mulato Criou”]?
GM: Sim, manteria a lei.
Eu – Nas comunidades crioulas em Benguela, Luanda, Bolama, Zambézia (também de miscegenados), São Tomé e Príncipe, no entanto, exclui a possibilidade de o mulato auferir de uma mobilidade social semelhante à de Cabo Verde?
GM – Na altura em que escrevi o trabalho, não tinha grandes preparações em relação a outras situações que mão fossem em Cabo Verde, sabia vagamente que Luanda, Benguela eram parecidos com Cabo Verde, mas não conhecia ao fundo a realidade.
Eu – Também se surgiram sociedades crioulas noutras áreas geográficas...
GM – Na Índia, na Malásia, em Macau e há uma corrente linguística, segundo a qual os crioulos na África Ocidental de África, nas Antilhas na Ásia são de origem caboverdiana, são originários de um proto-crioulo de Cabo Verde. Eu tive uma visita de um professor de Curaçao e eu propus uma experiência, falarmos em crioulo e entendemo-nos, ele falava crioulo parecido com o de Santiago e eu falava um crioulo parecido com o do Barlavento e entendemo-nos.
Eu – Na herança biológica predomina o homem africano, mas os valores eram europeus?
GM – Mesmo os escravos aprendiam português em simultâneo com a doutrina católica o que os europeizava.
Eu - A herança biológica acaba por não determinar que a influência portuguesa seja menor que a africana?
GM – Pois não, eu desconfio muito das heranças biológicas, eu vou mais pelas heranças sociais.
Eu - Como vê a transmissão de valores da classe senhorial e da classe escrava?
GM – O responsável é a mestiçagem, a mestiçagem é o contacto, o acto sexual é contacto e isso é que gera a transmissão dos valores.
Eu - Como vê a religião na transmissão dos valores comportamentais e na formação da nacionalidade?
GM – Eu vejo a religião como o seminário e o liceu (séc. XVIII), não leccionavam apenas disciplinas religiosas, leccionavam matemática, inglês e filosofica, havia os que queriam deguir a carreira eclesiástica e outros iam para o funcionalismo público, o seminário é que é o grande alforbe das circunstâncias de ter havido uma transferência de poderes do branco para o caboverdiano, porque o funcionalismo, em Cabo Verde, desde que me conheço é preenchido pelos caboverdianos, o comércio está na mão dos caboverdianos, a terra está nas mãos de caboverdianos, um ou outro português sem significado de maior. A religião católica teve uma grande influência, graças ao seminário, pois no seminário é que se aprendia, o meu pai sabia latim que aprendeu no seminário e os padres misturavam-se com a população e faziam filhos... o padre em Cabo Verde foi um grande criador de filhos, ninguém se escandalizava, até há um ditado na Ilha de Santiago, padre é no altar, fora do altar é como outro homem qualquer.
Eu - A absorção à chegada do nativo africano é fruto da desagregação dos laços tradicionais das pessoas que chegam, o que terá alguma influência na catequização e no estabelecimento de novos comportamentos.
Nos outros países cada etnia tem uma nação e em Cabo Verde tal não acontece...
Em Cabo Verde isso não acontece, existe uma nação anterior à própria independência...a ideia de independência é fruto dessa nacionalidade ou será fruto de movimentos externos?
GM - No meu tempo de estudante de liceu, eu e os meus colegas discutíamos Cabo Verde. Havia quem dissesse que Cabo Verde não era África, tinha a sua própria nacionalidade, eu defendia que Cabo Verde tinha a sua própria personalidade e muitos defendiam isso. Nós sentíamos que éramos diferentes e essa sensação de diferença vai um passo muito curto para a independência... basta eu me sentir diferente de você para eu me afastar em termos de poder. Cabo Verde foi sempre um país de quadros, Cabo Verde não exportava só trabalhadores para São Tomé e Príncipe, exportava quadros administrativos para toda a África.
A Contestação ao Regime e ao Legado Coloniais
Eu – Esteve ligado aos movimentos ou Casa de Estudantes do Império?
GM – Eu frequentava a Casa dos Estudantes do Império, onde conheci o Cineti e outros líderes, nós discutíamos muita política na Casa de Estudantes do Império, havia a secção dos angolanos, a secção dos moçambicanos, a secção dos guineenses e a secção dos caboverdianos e todos defendiam a sua própria personalidade.
Eu – Proliferavam as ideias unificadoras em termos de pensamento ou as posições extremistas?
GM – Todos queríamos a independência...
Eu - E em relação à herança colonizadora, todos sentiam o mesmo?
GM – Havia algum holigarismo, o que era natural, estávamos numa fase de luta, tudo o que fosse herança do colonizador era para deitar a baixo. Eu recordo-me que estava a fazer uma palestra na Casa de Estudantes do Império e quando acabei, um português estava a assistir, levantou-se e propôs viva Portugal e ninguém respondeu ao viva Portugal e a sala estava cheia de gente.
Gilberto Freyre, Cabo Verde, o Crioulo e a Lusofonia
Eu – Quais são suas divergências com Freyre?
GM - Enquanto para mim o mestiço é que foi o criador da sociedade e da cultura caboverdianas, no Brasil foi mais o português o mestre da sociedade brasileira.
Eu - Freyre fez um corpo teórico a partir do espaço tropical e esse será o seu maior valor, concorda?
GM – O grande valor dele está principalmente na Casa Grande e Senzala, isso é que é uma obra capital. Apesar de eu não alinhar muito com o Gilberto Freyre quanto ao mundo que o português criou porque este mundo que o português teria criado não fornecia igualdade de oportunidades aos seus habitantes, ao branco, ao preto e ao mulato. É um mundo de desigualdade. Em Cabo Verde é o mestiço que cria esse novo mundo, no Brasil só conheço o Nordeste de que falo, mas atendendo ao facto que ainda hoje há preconceitos rácicos no Brasil...
Eu - Casa Grande e Senzala foi escrita nos anos 30 e...
GM – Em Cabo Verde, vou citar-lhe uma frase do Baltasar Lopes “Foi um alumbramento”, a Casa Grande e Senzala e as teses do GF, a ressalva que eu faço é sobre aquele mundo que o português teria ou não criado.
Eu - Mas Gilberto Freyre, quando vai a Cabo Verde não vai preparado para aquela realidade...
GM – Mas devia ir...
Eu - Uma das críticas que Gilberto Freyre faz é ...
GM – O crioulo... um cientista não pode tomar essa atitude perante a matéria que observa.
Eu - Não tem nenhuma reminisciência da visita que ele faz a Cabo Verde e daquilo que provoca?
GM – Provocou uma resposta de Baltasar Lopes, em que ele põe os pingos nos iis, refere-se inclusive a essa história do crioulo.
Eu - Ele parte do pressuposto que todos os locais onde os portugueses estiveram são idênticos...
GM - Mas isso vai em contradição com a teoria dele, pois é natural que esse mundo criado não seja uma fotocópia de Portugal. Por conseguinte o crioulo é uma criação, também, do Luso-tropicalismo.
Eu - O crioulo é tornar seu uma herança dupla, é uma das minhas dificuldades em trabalhar Freyre é o facto de ele não aceitar o crioulo...
GM – Também eu tenho esse problema... Gilberto Freyre era admiradíssimo em Cabo Verde, era um messias, como nós dizíamos, antes de escrever o livro Aventura e Rotina.
Eu – Houve a utilização ideológica da obra de Freyre pelo regime salazarista?
GM – E foi... o mundo que o português criou, o livro, do Gilberto Freyre é uma coisa boa, se fosse verdade, mas eu não posso conceber como coisa boa uma Angola tal como eu a conheci, Moçambique, São Tomé e Príncipe e como a política colonial portuguesa oficial era transformar o indígena num português, isto dito pelo Marcelo Caetano, serviram-se do Mundo que o Português Criou para provar que o colonialismo português era diferente dos outros e que era algo perfeito, Salazar e os seus capangas é que politizaram e exploraram politicamente o luso-tropicalismo.
Eu - Anos 30 e 40 do século XX, são as datas das obras referidas, mas hoje persiste uma maior preocupação com a utilização ideológica do que com a teoria... a teoria deve ser vista com um olhar ideológico ou deve ser despida do mesmo?
GM – Há aspectos que me parecem válidos, como os contactos, a miscegenação, a valorização do negro no Brasil... na realidade, o colonialismo português é diferente dos outros colonialismos, mas só no aspecto que eu frisei há bocado, na atitude que o colono português assume perante o mulato e o negro, enquanto para o inglês o mulato é o filho do demónio e do pecado, para o português não... há vários casos de portugueses que têm filhos com negras e trazem os filhos para Portugal, dão-lhes educação, um inglês não faria uma coisa dessas.
Eu - Pergunto-me se a lusofonia não será uma reedição do luso-tropicalismo?
GM – Quem sabe... agora é que há possibilidade de criar o mundo português nos trópicos, agora que há liberdade para todos que os contactos são maiores e mais intensos, agora sim pode-se criar e está-se a caminhar neste sentido. A lusofonia é como você diz...
Eu - A viragem para União Europeia e a ideia que os povos africanos são estáticos é perniciosa para este mundo em criação?
GM – Eu suponho que depende da política prática de cada país... Angola por exemplo ou Moçambique serão levados a criar uma política de aproximação com os países da África Austral, mas os países poderão enveredar pela aproximação e a comunicação entre os povos permite que isso aconteça.
Eu - Voltando ao mulato... é um elemento presente em todos os territórios de presença portuguesa, teve um papel em todos os casos?
GM – Ele teve um papel, mas foi mais limitado, nunca atingiu as proporções de Cabo Verde e esse papel deveu-se ao facto de os pais brancos reconhecerem os seus filhos mestiços.
Em jeito de conclusão...
Eu - Hoje em dia os estados independentes que tiveram colonização portuguesa ainda rejeitam a aproximação luso-tropical?
GM – Isto deve-se a terem de negar a herança colonial para justificarem as independências. A guerra colonial aumentou esse fosso e essa necessidade de negação. A negação tem um carácter mais político do que sociológico.
Eu - A união de Cabo Verde à Guiné-Bissau, proposta na década de sessenta, seria uma tentativa de africanização do arquipélago?
GM – Não vou por esse lado... Amílcar Cabral tinha nascido em Cabo Verde, foi criado em Cabo Verde, conhecia Cabo Verde e a Guiné, sabia que precisava dos quadros caboverdianos e que o arquipélago lhe podia dar isso, porque os caboverdianos sentiam-se diferentes dos guineenses, havia até um certo desentendimento, mas a conjuntura permite a esta aproximação... no entanto a realidade fala por si. A unidade de facto nunca esteve na mente dos caboverdianos, esteve sim no sentir daqueles que lutaram ao lado de Cabral que viviam na Guiné, mas não dos outros.
Eu - Cabo Verde é hoje um exemplo de um especial modo de estar no mundo português ou o caboverdiano é que tem uma forma diferente e especial de ser face aos restantes povos?
GM – É a segunda, sem dúvida que é o povo caboverdiano que se auto-criou.
sexta-feira, outubro 27, 2006
Nesta zona ocidental,
praia lusitana,
de onde partiram
e do engenho fizeram achados
e deles se perderam
agora lusófonos são.
Conceito impreciso,
embora o eco se espraia,
na cruz , não de Cristo,
mas na espada em que ela se transformou.
Onde mora Adamastor?
ele,
por amor foi desterrado,
por amor se transformou
em um fim de mundo
e os lusitanos, dele fizeram um mostrengo.
Queluz, 24 de Junho de 2006
João Mariano
praia lusitana,
de onde partiram
e do engenho fizeram achados
e deles se perderam
agora lusófonos são.
Conceito impreciso,
embora o eco se espraia,
na cruz , não de Cristo,
mas na espada em que ela se transformou.
Onde mora Adamastor?
ele,
por amor foi desterrado,
por amor se transformou
em um fim de mundo
e os lusitanos, dele fizeram um mostrengo.
Queluz, 24 de Junho de 2006
João Mariano
“Não perco noites
ganho madrugadas”
G. Mariano
Bazófia?
Estes versos
são aqueles que há muito
gostaria de os ter feito
para ti.
Em ti
tens tatuado um coração
por vezes tolo
tens a camisa aberta
à ternura do luar
por vezes lírica.
És branco demais para o meu gosto.
Porém
És do mar e do batuque
És um dos coqueiros da praia das sete ondas
não sabes soprar o búzio
das atlânticas águas
Todavia
gostas do seu chamamento
como um dia, ainda criança, eu fiz.
Como disse
estes versos são teus
como para ti
É esta madrugada de lua cheia.
ganho madrugadas”
G. Mariano
Bazófia?
Estes versos
são aqueles que há muito
gostaria de os ter feito
para ti.
Em ti
tens tatuado um coração
por vezes tolo
tens a camisa aberta
à ternura do luar
por vezes lírica.
És branco demais para o meu gosto.
Porém
És do mar e do batuque
És um dos coqueiros da praia das sete ondas
não sabes soprar o búzio
das atlânticas águas
Todavia
gostas do seu chamamento
como um dia, ainda criança, eu fiz.
Como disse
estes versos são teus
como para ti
É esta madrugada de lua cheia.
João Mariano
Nove de Setembro de 2005
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